segunda-feira, julho 27, 2009

Mitos e mitos e mitos

"Se andamos a marcar passo há mais de uma década nos 60% do valor médio da produtividade por trabalhador da Europa, é preciso saber furar esse tecto fatídico, que vem manietando os nossos factores produtivos. Não por falta de bons equipamentos: são inúmeros os casos de investimentos caríssimos no estado da arte tecnológica para determinada operação produtiva, que rende muito menos de uma mesma máquina, manuseada por um operário alemão ou um sueco.
.
Na próxima legislatura, a aposta central tem de ser num choque de gestão nas PME, com uma política inclusiva de rendimentos nas empresas, que envolva todos os seus colaboradores. A aposta na qualificação, individual e colectiva, não pode obter, apenas, uma vaga promessa de prémio futuro. (Quando chegará ele, se o esforço de racionalização terá de ser contínuo?) Ela constitui a alavanca operativa para pôr todos a pensar e agir em termos de competitividade acrescida. Sem isso, não vamos lá."
.
É a este tipo de linguagem que chamo "mito". Peres Metelo não faz a mínima ideia sobre o que é preciso fazer a nível da micro-economia para aumentar a produtividade a sério e colmatar os 40% que nos faltam.
.
Como sabe disto "Não por falta de bons equipamentos: são inúmeros os casos de investimentos caríssimos no estado da arte tecnológica para determinada operação produtiva, que rende muito menos de uma mesma máquina, manuseada por um operário alemão ou um sueco." mete-lhe confusão. Daí que acredite piamente que um papel que certifica competências adquiridas ao longo da vida, não um papel que documenta novas competências adquiridas com a frequência de formação seja a base para dar o salto da produtividade:
.
"Neste debate não se dá o devido valor ao factor humano. É certo que muito tem vindo a ser feito para animar um novo impulso de qualificação e de aprendizagem, num movimento de massas sem precedentes, com o número de inscritos nas Novas Oportunidades a aproximar-se da meta traçada de um milhão de cidadãos. Mas ninguém fala das consequências disto numa política de rendimentos, baseada em maior produtividade e melhores resultados, para as empresas que apostam na valorização do seu capital humano."
.
Segundo Peres Metelo mais certificados que documentam o que já se tinha deverão impulsionar a produtividade... sinceramente não consigo perceber a lógica.
.
Será que Peres Metelo já leu o insuspeito de neo-liberalismo James Galbraith acerca da relação entre produtividade e emprego vs formação e educação?
.
Peres Metelo deve saber que existe um fenómeno físico chamado histerese, o que ocorre num sentido na física:
  • aumento da produtividade gera como consequência um aumento da distribuição de rendimentos
não ocorre necessariamente em sentido contrário se invertermos o sentido:
  • aumento da distribuição de rendimentos (à cabeça) gera como consequência um aumento da produtividade
Antes de pensar em como distribuir rendimentos (coisa que me preocupa, ou então eu não teria saudades do comunismo soviético) Peres Metelo devia investigar como é que a produtividade pode aumentar. Aí descobriria que a contribuição dos operários é pouca, a contribuição dos trabalhadores para o aumento da produtividade traduz-se normalmente em migalhas incrementais. Não por culpa dos trabalhadores, a vida é mesmo assim.
.
O que devia causar comichão intelectual a Peres Metelo é o facto de um operário português na Alemanha ter uma produtividade muito superior à de um operário português em Portugal, apesar de terem a mesma formação. O que Peres Metelo já devia saber é que de cada vez que um governo português protege e ampara uma empresa portuguesa impedindo o seu encerramento... está a bloquear o aumento da produtividade agregada da sociedade portuguesa a médio prazo.
.
Os choques de aumento de produtividade que necessitamos como país só podem surgir de decisões ao nível da gestão das empresas, com a escolha dos clientes a servir, com a escolha dos mercados, das propostas de valor, das estratégias a seguir. Para acelerar essas decisões e mudanças precisamos é de mais empresas que mudem de pele, que subam na escala de valor.
.
Se os governos se substituem ao mercado e escolhem quem é que sobrevive, com apoios e subsídios... está na prática a premiar a manutenção de comportamentos de gestão obsoletos... basta ver o que escrevo sobre o leite e a estratégia de meias-verdades do sector e a relação com o ponto morto que vai dar num penhasco como escreve Seth Godin no livro The Dip.
.
O que Peres Metelo parece não ter ainda percebido, a par de alguns marxistas (que são muito bons a documentar os números, apesar de constantemente estarem possuídos por uma espécie de Fox Mulder que vê teoria de conspiração de classe em todo o lado), e de muitos gestores alienados, é que hoje em dia o valor é sobretudo gerado pelo intangível associado a uma empresa.
.
O que Peres Metelo já devia ter percebido era a lição finlandesa: "It is widely believed that restructuring has boosted productivity by displacing low-skilled workers and creating jobs for the high skilled."Mas, e como isto é profundo:"In essence, creative destruction means that low productivity plants are displaced by high productivity plants."
.
Peres Metelo propõe como receita para a crise o aumento dos salários à cabeça. Vítor Bento propõe a redução dos salários à cabeça. IMHO, estudem o poder do numerador face ao denominador, estudem Rosiello, e já agora leiam o artigo de Frasquilho e vejam o gráfico.

Sem comentários: