quarta-feira, novembro 27, 2024

Uns artistas!


Há anos estava a fazer uma auditoria a uma empresa e ao analisar a evolução do indicador "Taxa de cumprimento dos prazos de entrega" verifiquei que o desempenho estava bem abaixo do objectivo da empresa. Quando questionei a empresa sobre o que tinha feito para lidar com tal evolução ouvi uma resposta do tipo "vamos ter mais cuidado no próximo ano".

Esse é o tipo de resposta que não aprecio. Por isso, depois de algumas perguntas e respostas concluímos que o problema estava na forma como o indicador era calculado. A empresa dividia os clientes entre clientes para os quais o prazo de entrega era chave, e clientes para os quais o prazo de entrega não era crítico. Assim, nos períodos de pico de produção a empresa deliberadamente atrasava produção e entrega aos segundos para satisfazer os primeiros, mas ao calcular o indicador a empresa não distinguia os diferentes tipos de clientes na sua relação com os prazos de entrega. Portanto, o melhor que a empresa tinha a fazer era focar-se apenas nos clientes para os quais o prazo de entrega era crítico aquando do cálculo do indicador.

Lembrei-me de tudo isto por causa de um artigo publicado no JdN do passado dia 15 de Novembro, "Governo francês recorre a economistas para evitar previsões erradas". Apetece exclamar: Brincamos!!!!
"Com os "tiros ao lado" nas previsões económicas para este ano, em particular no que respeita às finanças públicas, o Governo francês decidiu recorrer à ajuda de economistas externos.
O grupo de especialistas, que reúne esta quinta-feira pela primeira vez, irá procurar formas de adaptar as previsões a um cenário global cada vez mais volátil e instável e aumentar a visibilidade quanto à forma como são conduzidas as finanças públicas.
Este passo foi tomado depois de as projeções do Ministério francês das Finanças para receitas fiscais este ano se terem revelado demasiado otimistas. O resultado? Um inesperado défice orçamental de 6,1% do produto interno bruto (PIB) em vez dos 4,4% estimados no Orçamento do Estado."

Parece que o Governo francês decidiu transformar o seu próprio optimismo fiscal numa tragédia anunciada. Primeiro, pintam o quadro de receitas a brilhar como o sol de Verão, tudo para agradar ao eleitorado (houve eleições em 2024) e mostrar que "está tudo sob controlo." Mas agora, com as contas a rebentar pelas costuras, toca a chamar um comité de especialistas para dizer o óbvio: "ups, afinal fomos um bocadinho demasiado optimistas."

Este "comité de sábios" é quase uma versão doméstica da troika, mas com sotaque francês. O que falta explicar é como o governo vai justificar as medidas de austeridade que provavelmente virão a seguir, enquanto os eleitores piscam os olhos, confusos, e perguntam-se onde está aquele orçamento mágico prometido antes. A cereja no topo? Culpam a volatilidade global e não, vejam só, a sua própria visão de túnel na política fiscal.

Conclusão: quando o défice dá "tiros ao lado", é sempre mais fácil chamar uns especialistas para dizer "foi o mercado!" do que admitir que se apontou a arma ao próprio pé. 

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