Ontem, enquanto regressava de Felgueiras ouvia o podcast do programa “E o Resto é História”
Rui Ramos falava sobre Dostoyevsky. Na A11, a começar a subida para a saída de Caíde, reparo num ninho de vespas asiáticas e começo a recordar algo que supostamente Dostoyevsky terá escrito numa carta a uma benfeitora.
"Entre Cristo e a verdade, eu prefiro Cristo."
O meu eu cristão com 20 anos teria ficado horrorizado com esta frase. O meu eu cristão com mais de 50 anos quando leu a frase sorriu e solidarizou-se com ela. Os dias que correm são dias que ilustram o quanto Dostoyevsky tinha razão. Basta recordar o discurso sobre as vacinas anti-covid há 2 meses e o mesmo discurso agora. Ou recordar a frase de Joaquim Aguiar sobre Mário Soares: "Ele não mentia, tinha era verdades sucessivas."
Tanta gente cheia de certezas, tão célere a classificar como negacionista quem tem dúvidas, quem sabe que a ciência tem o erro alfa e o erro beta, que a ciência é feita por humanos.
Como refiro aqui também eu sou vítima de ideologias. Sei o que proclama o lado onde me incluo, mas algo a medo, nos diálogos comigo mesmo sempre aflorou o que agora vejo escarrapachado por Reinert em em "How Rich Countries Got Rich and Why Poor Countries Stay Poor".
Reparem, há quanto anos escrevi aqui no blogue sobre a decapitação da nata da indústria tuga. Por exemplo em Junho de 2013:
"A economia de bens transaccionáveis portuguesa foi decapitada a dois tempos. Primeiro, com a entrada na CEE, as empresas que mais sofreram foram as que pertenciam à nossa "nata", as que não competiam pelo preço mais baixo e tinham algumas preocupações de qualidade e design, incapazes de competir de rajada com o choque europeu. Segundo, a entrada da China, veio dar um golpe às que competiam pelo preço mais baixo."
Reparem o que Reinert escreve:
"An extension of this is what I have referred to as the Vanek-Reinert effect, or the winner-killing effect of international trade. When, following a situation of relative autarky, free trade suddenly opens up between a relatively advanced and a relatively backward nation, the most advanced and knowledge-intensive industry in the least advanced country will tend to die out. The most advanced sectors are the ones most subject to increasing returns and consequently the most sensitive to the drop in volume caused by sudden competition from abroad"
Depois, sobre o sucesso do low-cost, escrevi em Novembro de 2019:
"num mundo como o nosso, o que é verdade hoje, é mentira amanhã. Lembram-se do dinheiro que entrou na indústria no tempo de Cavaco Silva e fez de Portugal a china da Europa antes de haver China? Foi mal aplicado? Não! Foi aplicado no que fazia sentido naquele tempo, chegamos a menos de 4% de desemprego em Janeiro de 1992. Quando a verdadeira China entrou em jogo... tudo o que foi construído ruiu como um baralho de cartas."
Reparem o que Reinert escreve:
"As international value chains become `chopped up' through outsourcing, the most advanced nations specialize in capital- and innovation-intensive goods, where scale and increasing returns are key elements. The less advanced countries come to specialize in maquila-type (assembly plant) low-technology goods, bereft of scale effects at the assembly stage. A frequent effect of this is that free trade destroys more than it contributes in terms of national wealth. As an example, Mexican real wages dropped drastically as the NAFTA agreement slowly decimated traditional `complete industries' while increasing the simple assembly (maquila) activities. The increasing returns industries died out in order to give birth to constant return activities, thus `primitivizing' the national production system. Thus we experience cases of `destructive destruction' - destruction where no regenerative activities take place."
É interessante ler Reinert a descrever factos sobre a evolução económica do México com o acordo NAFTA, ou da Mongólia com a liberalização das fronteiras.
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