quinta-feira, março 10, 2011

Empresários* portugueses: os culpados do costume

Para quem desvaloriza a capacidade do sector de calçado em Portugal, um sector que exporta 95% do que produz e a um preço só inferior ao do calçado italiano, faz bem reflectir neste artigo do jornal da APICCAPS de Janeiro deste ano "Espanha e Itália importaram mais de 600 milhões de pares de calçado":
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"São os dois maiores produtores de calçado da Europa.
Mas os números agora conhecidos parecem indiciar que o modelo de negócio do sector espanhol e italiano de calçado, outrora exclusivamente centrado na produção, tem os dias contados. Nos primeiros nove meses de 2010, Espanha e Itália juntos importaram mais de 600 milhões de pares de calçado. Desses, 400 milhões, sensivelmente, provêm da China.
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Surpreendente é mesmo o extraordinário crescimento das importações espanholas de calçado. De Janeiro a Setembro, “nuestros hermanos” adquiriram no exterior 320 milhões de pares de calçado, mais 18% do que no ano anterior, no valor de 1.682 milhões de euros (mais 17%) a um preço médio de 5,22 € (menos 0,4%). Desde 2004, as importações espanholas de calçado cresceram mais de 106%.
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Como curiosidade, segundo dados da Federação Espanhola de Calçado (FICE) – que sugerem que, parte deste calçado, é posteriormente reexportado, em especial para os mercados europeus – Portugal superou Itália e perfilou-se em 2010 como 2º fornecedor de calçado de Espanha.
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Já as importações italianas aumentaram 12,4% para 291 milhões de pares nos primeiros nove meses de 2010, no valor de 2.948 milhões de euros. O preço médio do calçado importado ascendeu a 10,15€ (ligeiro crescimento de 0,2%). Cerca de metade das importações, o equivalente a 140 milhões de pares, tiveram como origem a China (mais 12,6%). O preço médio do calçado importado da China aumentou 2,3% para 4,74€."
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* Gente da ferrugem, das peles e do chão-de-fábrica, não a gente que frequenta os corredores e carpetes do poder, preocupados em rendas e benesses negociadas com o Estado-Soprano

2 comentários:

Ricciardi disse...

Caro CCZ,

Enfim, básicamente concordo consigo (o que não é normal em mim eheh), no entanto, a questão central vai para além da lógica ( importante sem dúvida), de criação de valor nas nossas industrias... a questão que me parece importante é saber se é possivel aguentar socialmente este país (e outros na europa), nomeadamente no combate ao desemprego massivo que existe e se supõe não vir a baixar no futuro, abdicando das industrias de forte empregabilidade ou de mão-de-obra intensiva.
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Percebo bem o que diz, mas quer-me parecer que temos ainda muitas decadas pela frente de pessoas sem a necessaria formação para 'democratizar' novos conceitos essenciais a criar volume em industrias assentes no valor.

Ou seja, existe um problema de TEMPO.

Embora o caminho seja o que o CCZ aponta, a realidade da vida das pessoas não se compadesse com um decada ou duas à espera da modernização de conceitos e que este geram o volume necessário para abosrver desempregados.

Isso devia ser uma tarefa urgente, educando o povo, formando-o bem, mas necessariamente uma aposta a medio-longo prazo.
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Mas as pessoas precisam de ter respostas para amanha, porque é amanha que elas tem que alimentar as suas familias.
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As exportações tem de facto aumentado; penso estarem hoje quase ao nivel do que estavam em 2008 ou 2009 e ao que diz, criam mais valor agora do que no passado. Isso é bom.
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Não obstante o desemprego aumenta todos dias...
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O que me leva a crer que, uma economia como a Portuguesa não pode depender exclusivamente de um conceito de industria, ainda que seja o acertado. Não. Na sociedade existirá sempre uma grande quantidade de gente sem formação adequada ou desactualizados ou outra coisa qualquer...
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E mesmo sendo partidario da meritocracia, entendo que, a europa (enfim, o ocidente) terá de, mais cedo ou mais tarde, desincentivar a importação de produtos de algumas industrias macacas do exterior, com um só objectivo: criar emprego interno.

Sem emprego tudo ruirá a prazo. É pois uma questão de equilibrio e bom senso. Se os empresarios para concorrerem neste mundo actual necessitam de criar valor e diferenciação nos seus produtos (design, a marca, a qualidade, a inovação, o serviço, a moda etc), aonde SUPOSTAMENTE a china ainda não entrou, também é certo que as pessoas para viveram precisam de trabalho, ainda que do mais básico e inqualificado. É o que temos.
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Por outro lado, não me admiraria nada que, daqui a uns anos (espero estar enganado)as industrias hoje pujantes nas exportações entrem em depressão novamente. Ou porque a China, afinal, tambem já começou a produzir valor e qualidade, ou porque os empresarios não se actualizaram... enfim, isto é da história; os ciclos são inevitaveis.
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Daí que, a aposta de Portugal, em termos de estrategia, devia ser aquelas areas de actividade que aproveitam os recursos que temos... a terra, a floresta, o mar e o turismo... aquelas áreas aonde temos vantagens comparativas. E a industria devia crescer em torno destas areas.
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A área do 'conhecimento' também deve e pode ser um sector a desenvolver, mas necessariamente a prazo. Quando tivermos uma estrategia virada para o conhecimento, quando incentivarmos industrias deste genero temos de ter um politica de ensino em simultaneo, abrindo cursos virados para essas áreas. E não antes.
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O que acontece é que estamos a formar cientistas e tecnicos que serão aproveitados por outros, nomeadamente os alemães. Os quadros superiores estão a sair... e mais que tudo os quadros médios e tecnicos estão a sair.
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RB

CCz disse...

Caro RB,

O seu comentário merece uma leitura mais atenta e uma resposta mais elaborada. No entanto, não resisto a uma primeira resposta rápida:

Por favor, não me confunda com o Jaime Quesado, ele é que acredita demasiado na Inovação e não percebe como a Inovação, por muito positiva que seja, se genuína, não tem capacidade para gerar uma massa crítica de empregos num futuro próximo.
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O que eu defendo, promovo, e é nelas que faço o meu dia-a-dia, é que as indústrias tradicionais com base no Evangelho do Valor criem riqueza já hoje, e sem o apoio do Estado-Soprano.

Tentarei dar uma resposta mais completa.