domingo, outubro 12, 2025

Não cola!

O FT de ontem traz uma artigo interessante "Tod's chair says prosecutor 'should be ashamed' of exploitation claims"
"Diego Della Valle, founder and chair of luxury shoe and bag maker Tod's, said the Milanese prosecutor leading investigations into worker exploitation in Italian supply chains "should be ashamed" for the damage he is inflicting on the country's luxury industry. Speaking at a hastily arranged press conference in Milan yesterday, Della Valle said "it is absolutely inexcusable for the prosecutor to wake up one day and tarnish [our] reputation, treating us like criminals and spreading falsehoods".
...
Milanese prosecutors allege that Tod's, which is famous for its pebbled rubber soles, failed to adequately oversee one of its suppliers in Italy's Marche region, which allegedly subcontracted production to Chinese firms paying workers as little as €2 per hour.
Della Valle said companies like his do not have the tools to oversee every single one of their suppliers' activities and should not be held responsible for their violations. "It is the suppliers' responsibility to inform the company if it hands off parts of production to subcontractors, but if they hide it from us... that will escape our [audits]," he said."
Esta declaração expõe bem os limites do controlo tradicional dos fornecedores e a necessidade urgente de auditorias mais fortes e inteligentes.

O que diz a ISO 9001? 

A ISO 9001:2015, em particular a cláusula 8.4 – Controlo dos processos, produtos e serviços de fornecedores externos, é clara: as organizações continuam responsáveis pelo que os fornecedores (e os seus subcontratados) entregam. A norma exige que as empresas:
  • Definam os controlos a aplicar quando subcontratam actividades;
  • Assegurem que os fornecedores cumprem os requisitos de forma consistente;
  • Verifiquem e monitorizem o desempenho dos fornecedores, não só na assinatura do contrato, mas durante toda a relação.
Em suma, passar a responsabilidade para o fornecedor não basta. Se um subcontratado explora trabalhadores ou falha nos padrões de qualidade, o dono da marca não pode alegar ignorância sem enfrentar consequências reputacionais e legais.

Como devem evoluir as auditorias?
As auditorias tradicionais apoiam-se em verificações documentais, visitas planeadas e declarações dos fornecedores. Isto é necessário, mas insuficiente quando existe subcontratação oculta. Para fechar esta lacuna, as auditorias devem incluir:
  • Mapeamento multi-nível da cadeia de fornecimento – identificar não apenas o primeiro fornecedor, mas também os subcontratados, oficinas temporárias ou arranjos offshore;
  • Auditorias inopinadas ou aleatórias – para reduzir o risco de visitas encenadas;
  • Entrevistas a trabalhadores e inteligência local – falar directamente com empregados, sindicatos, ONG ou comunidades locais pode revelar práticas escondidas;
  • Monitorização baseada em dados – ferramentas digitais, rastreamento de encomendas e até dados de satélite podem detectar padrões de produção suspeitos;
  • Requisitos contratuais claros – cláusulas que obriguem os fornecedores a declarar subcontratações, com penalizações caso ocultem essa informação.
Auditar não é apenas evitar escândalos — é uma necessidade estratégica. Segundo a ISO 9001, o sistema de gestão da qualidade deve alinhar-se com a estratégia da organização (cláusulas 4.1, 4.2, 5.1). Para marcas de luxo, essa estratégia inclui proteger a reputação, assegurar produção ética e garantir qualidade consistente aos clientes.

Um processo de auditoria fraco não gera apenas não conformidades — pode destruir a confiança dos clientes, dos investidores e a própria identidade da marca.

O caso Tod’s é um lembrete: as auditorias a fornecedores não podem basear-se apenas na confiança. A ISO 9001 oferece a estrutura, mas as empresas têm de ir mais além, combinando controlos sistemáticos com abordagens criativas para detectar o que alguns fornecedores preferem esconder.

Num mundo globalizado e em cadeias de fornecimento complexas, não saber já não é uma desculpa.

Eu sei que as auditorias a sistemas de gestão não são pensadas, normalmente, para lidar com "terroristas". No entanto, uma empresa pode dizer ao seu auditor, numa auditoria de 2ª parte, que um dos objectivos da auditoria é averiguar a confiança na rastreabilidade da cadeia de fornecimento. 

Seria interessante, um auditor escolher aleatoriamente uma amostra das referências produzidas num fornecedor, e entregues ao seu cliente, e depois começar um diálogo:

- Por favor, identifique todas as instalações (incluindo subcontratados) onde estas encomendas foram produzidas ou processadas.

- Pode fornecer documentação (guias de transporte, registos de expedição, registos de produção, registos do controlo da qualidade) que mostre o fluxo dos bens desde a matéria-prima até ao produto final?

- Que máquinas e operadores trabalharam neste lote? Podemos ver os registos de turnos e de manutenção?

Estas perguntas obrigam o fornecedor a ligar encomendas → instalações → pessoas → equipamentos, deixando menos espaço para respostas vagas.

Temos dúvidas sobre se estão a dizer a verdade?

Fazemos triangulação documental: comparamos facturas, documentos de transporte/expedição, capacidade de produção e registos de salários. Se o fornecedor disser que o trabalho foi feito internamente, a capacidade (número de máquinas, turnos, trabalhadores) tem de corresponder ao volume da encomenda. Se não corresponder, é um sinal de alerta.

Percorremos a linha de produção e fazemos perguntas simples aos trabalhadores: “Participou na produção desta encomenda? Em que produtos está a trabalhar hoje?” Verificamos se o trabalho em curso corresponde às encomendas no papel.

Se o fornecedor não conseguir mostrar a continuidade dos registos, há suspeita de subcontratação não declarada.

Portanto, a frase, "It is the suppliers' responsibility to inform the company if it hands off parts of production to subcontractors, but if they hide it from us... that will escape our [audits]," não cola.



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