quarta-feira, outubro 22, 2025

Imaginar possibilidades

Na passada Sexta-feira almocei com o parceiro das conversas oxigenadoras. Um dos temas de conversa deu origem a uma estória que ele me contou.

Em 2021, a Ingersoll Rand decidiu vender a maior parte da sua divisão High Pressure Solutions (HPS), dedicada a bombas e sistemas de alta pressão, sobretudo utilizados no upstream da indústria do petróleo e gás. A empresa justificou a decisão com a elevada volatilidade desse mercado e a intenção de se concentrar em áreas industriais mais estáveis e orientadas para a sustentabilidade. Assim, transferiu a maioria do capital para o fundo American Industrial Partners (AIP), mantendo apenas uma participação minoritária. O meu parceiro acrescentou que uma das razões para a venda da divisão pela corporação assentava na ideia de que o negócio estava parado e as margens teriam de encolher com o aumento da concorrência.

Pouco depois da operação, a HPS ganhou uma nova identidade: passou a chamar-se GD Energy Products (GDEP). Sob nova gestão e com maior liberdade estratégica, a empresa começou a procurar diversificar o seu portefólio e alargar o âmbito de aplicação da sua tecnologia de bombas de alta pressão.

Se antes o negócio estava quase exclusivamente ligado ao fracking e à exploração de hidrocarbonetos, rapidamente surgiram novos caminhos. A GDEP lançou linhas específicas para Horizontal Directional Drilling (HDD), um mercado ligado à construção de infraestruturas críticas, como túneis sob rios ou estradas, instalação de condutas de água e saneamento, redes de fibra óptica e pipelines. Estas aplicações demonstraram que a tecnologia, longe de estar confinada ao marasmo de um único sector, tinha potencial para responder a desafios em diferentes indústrias.

Além disso, a GDEP continuou a inovar no seu segmento original, apresentando módulos de perfuração de alta pressão com melhorias em termos de desempenho, manutenção e segurança. Assim, reforçou a posição num mercado ainda exigente, mas ao mesmo tempo ganhou espaço em áreas com perspectivas de crescimento sustentado.

Em suma, uma unidade de negócio que parecia estar limitada a um sector em declínio encontrou, com um novo posicionamento, novas oportunidades de crescimento e relevância. A transformação da antiga divisão HPS em GDEP tornou-se um exemplo de como a mesma base tecnológica pode ser revalorizada quando aplicada em novos contextos.

Entretanto, na Segunda-feira de tarde Roger Martin publicou "The Future[s] of Business Education"

"Hence, when we use data analysis to tell us what to do, we are implicitly assuming that the future is identical to the past. 
...
Consumers change, competitors change, technology changes, regulations change, and so on. The future is routinely different than the past.
...
Businesspeople live in a world in which the future is routinely different than the past. But they are educated — and universally so as demonstrated by my audience participation — to use methods appropriate only for a world in which the future is identical to the past." [Moi ici: Roger Martin sublinha que todos os dados estatísticos vêm do passado. Usá-los para decidir o futuro implica assumir que o futuro será idêntico ao passado — um erro grave porque, como Aristóteles distinguia, os negócios estão no domínio do que "pode ser diferente do que é". A Ingersoll Rand (IR) baseou a decisão de vender a divisão HPS na leitura dos dados do passado (volatilidade do upstream, procura em queda, risco de comoditização). Mas o futuro não foi idêntico ao passado: surgiram novas aplicações (HDD/infraestruturas) e a divisão ganhou outra vitalidade.]

"He [Moi ici: Aristóteles] made a critical distinction between two parts of the world. In one part, things cannot be other than they are. For example, anywhere on the earth’s surface, gravity has always and will always cause objects to accelerate toward the ground at 32 feet/second2 — because when it comes to gravity, things cannot be other than they are. But when it comes to smartphones, there were zero in the world in 1999 and probably (the estimates are all over the place) over 7 billion now. Smartphones exist in the part of the world where things can be other than they are. That world changed dramatically with the introduction of the BlackBerry in 2000 and has changed pretty much every year since." [Moi ici: Roger Martin lembra que quase tudo no mundo dos negócios pode ser diferente amanhã (novos produtos, novas aplicações, novas tecnologias, novos regulamentos). A história da HPS mostra isso: de um negócio aparentemente limitado a fracking, passou a servir obras civis e utilities com bombas de alta pressão para HDD, algo fora do radar da IR na altura da venda. O negócio estava no domínio do “can be otherwise”, mas foi tratado como se fosse do “cannot be otherwise”.]


Roger Martin alerta que os gestores educados apenas como “tecnocratas de dados” são limitados. Precisam de ser “arquitectos de possibilidades”. O caso da IR é um exemplo vivo para os seus argumentos: um gestor focado em dados do passado teria vendido; um gestor aberto a imaginar novas aplicações teria talvez investido e reposicionado.

Em resumo: a história da IR encaixa quase como um case study vivo para o texto de Roger Martin. Demonstra o que acontece quando se toma decisões estratégicas como se o futuro fosse uma continuação linear do passado — e como quem aposta em imaginar possibilidades pode capturar valor inesperado.

Recordar Popper e “Of Clouds and Clocks”


2 comentários:

Daniel Polónia disse...

Uma pequena provocação:
Face aos resultados preliminares deste relatório:
https://www.gpiaaf.gov.pt/detalhe-noticias?uri=1670

Como vê este este documento:
https://www.carris.pt/media/0gifq3ip/relat%C3%B3rio-de-sustentabilidade_2023.pdf

nomeadamente:
(P.24)
4. RISCOS E OPORTUNIDADES
A CARRIS integra na sua gestão estratégica e operacional o pensamento baseado no risco, com vista a determinar os fatores passíveis de provocar desvios aos seus objetivos e constituir situações de risco.
Em 2023, a CARRIS manteve a metodologia de avaliação e gestão dos riscos de todas as atividades da Empresa de acordo com os referenciais internacionais ISO 9001:2015, ISO 14001:2015 e ISO 39001:2017. Esta metodologia, transversal a toda a organização, tem como finalidade a criação e proteção de valor na Empresa, contribuindo para a melhoria do desempenho e a concretização dos objetivos definidos. Pretende-se identificar fatores em todos os processos e atividades, que possam constituir riscos e oportunidades, de forma a permitir a sua análise e tomada de decisão sobre os mesmos

CCz disse...

Uma boa provocação.

É mau demais. Se eu mandasse em quem certificou a Carris, e manteve a certificação ISO 9001 e ISO 39001, gostaria de me colocar uma pergunta muito directa: o que é que no meu sistema de auditoria e certificação impede que sejam detectadas falhas tão graves?
Normas como a ISO 9001, a ISO 14001 e a ISO 39001 assentam no pensamento baseado no risco e na melhoria contínua. Quando ocorre um acidente catastrófico numa organização certificada, isso não significa, necessariamente, que as normas estejam erradas — mas significa que devemos analisar se os processos de certificação são eficazes a revelar as fragilidades que mais contam.
Não se trata de apontar culpas, mas sim de assumir responsabilidades. Se a certificação quiser manter a sua credibilidade e cumprir a sua finalidade, não pode ser apenas um exercício de verificação em lista de controlo. Tem de ser um processo vivo, que teste se a gestão do risco está realmente enraizada, se a liderança assume efectivamente a qualidade e a segurança, e se o sistema previne — e não apenas documenta — falhas graves.

Uma tristeza