sábado, abril 25, 2020

Não é agradável escrever sobre fracassos (parte II)

Parte I.

...
E a produção ia aumentando mais e mais.

Então começa a aparecer um defeito novo.

Bolhas!!!

Bolhas nas placas de circuito impresso. Bolhas na tinta verde aplicada na serigrafia sobre os circuitos impressos. Não só o cliente não aceitava o defeito visual como, por vezes, o manuseamento das placas de circuito impresso, ainda na empresa, fazia estalar a tinta na zona da bolha e a tinta saltava.

Bolhas?! Nunca tal defeito tinha aparecido.

Bolhas na tinta... será por causa de problemas de qualidade da tinta? Contactámos o fornecedor. Este, por sua vez, contactou o fabricante inglês. Em pouco mais de uma semana o fabricante colocou um técnico na nossa fábrica. Esteve connosco uns três dias, fizemos testes e mais testes e ... nada! Não encontrámos a causa das bolhas.

Falei com o pessoal da Serigrafia que aplicava a tinta e secava as placas na estufa, sobre alterações aos métodos de trabalho... nada tinha mudado.
Falei com o encarregado geral da fábrica sobre alterações que tivessem ocorrido... nada tinha mudado.

Era claro que as bolhas surgiam quando a placa de circuito impresso era mergulhada no banho de solda a mais de 400 ºC, mas porquê? Havia um antes e um depois, os métodos de trabalho não tinham mudado. Será que a fórmula da tinta tinha sido alterada e o fabricante não o revelava? Será que a estufa que secava a tinta estava avariada e a tinta ainda saía "fresca"?

Testámos a temperatura da estufa e estava OK.

Por que é que umas vezes lotes inteiros de placas de circuitos impressos saiam bem e de outras vezes lotes quase inteiros eram rejeitados?

Em desespero, convenci o dono da empresa a comprar uma máquina de secar tinta UV em segunda mão e testamos o uso da tinta UV. A coisa não correu bem... a tinta era diferente e a Serigrafia tinha problemas, a máquina não dava vazão ao caudal de produção necessário.

E lá voltava eu para o encarregado geral e tentava convencê-lo a ajudar-me a resolver o problema. Havia algo de diferente... tinha de haver algo de diferente. Tinha de haver um antes e um depois.

Entretanto, o tempo ía passando e a produção continuava a aumentar e eu não conseguia encontrar a causa do defeito.

A certa altura, o dono da empresa propôs um prémio a distribuir pelos trabalhadores, se a taxa de defeitos por bolhas caísse abaixo de um certo valor. Expliquei-lhe que apesar do defeito representar vários milhares de contos por mês, a culpa não era das pessoas. Mês após mês os resultados da taxa de defeitos por bolhas faziam parte de um sistema em controlo estatístico. Melhorar ou piorar 6% não era por causa das pessoas, mas por causa do sistema.

E lá voltava eu para tentar conversar com o pessoal da Serigrafia, com o encarregado geral, com a pessoa que controlava o mergulho das placas na solda.

Falámos com o fornecedor da solda. Deu-me uma ferramenta analógica de investigação de problemas, ainda a tenho e serve-me de inspiração muitas vezes, mas não conseguimos progredir.

Entretanto, por causa daquilo que eu senti como a quebra de uma promessa feita pelo dono da empresa, relativamente a um desafio profissional, saí da empresa sem ter chegado a descobrir a causa das bolhas.

Continua.

BTW, estive a um passo de me juntar ao fornecedor de tintas, para comprarmos um laboratório de produção de circuitos impressos da PT em Aveiro, que estava abandonado. O sucesso da minha empresa nos autorádios, transformou os clientes antigos numa nuisance. Além de que havia sempre gente a aparecer disposta a pagar bem por placas únicas, por exemplo, professores universitários eram aos montes. Confesso que fui medricas.

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