sexta-feira, abril 26, 2013

"Gueto" ferroviário?

No JdN do passado dia 24 encontrei:
"Norte arrisca ser um "gueto" ferroviário 
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O Norte e o Centro são a origem de dois terços das exportações portuguesas, pelo que a opção única ferroviária pelo eixo Sines-Badajoz retirará competitividade àquelas regiões e ao País.
Portugal só tem a ganhar se avançar com o projecto de ligação em bitola europeia Aveiro-Vilar Formoso e candidatá-la aos fundos comunitários para 2014-2020, defendeu esta semana Mário Lopes, presidente da Adfersit (Associação portuguesa para o desenvolvimento dos sistemas integrados de transportes), num jantar-debate promovido no Porto, conjuntamente com o "Transportes & Negócios"."
O que transportam os comboios?
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A vantagem do comboio é a rapidez?
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O que o Norte e o Centro exporta é adequado ao comboio?
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O que o Norte e Centro exporta são pequenas quantidades para muitos clientes dispersos, que saem à sexta à tarde das fábricas para estarem no centro da Europa a meio da semana. A rapidez e a flexibilidade é fundamental.
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Recordar:
"Há 12 anos éramos 500 pessoas e tínhamos cinco clientes activos. Hoje somos 160 e temos mil clientes activos"
Os comboios são bons para commodities em que a quantidade é o que interessa, não a rapidez.
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E o que são 300 km a mais para uma carga que terá de fazer 2 a 3 mil km e em que a velocidade não é crítica?
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Cheira-me a lobby da construção.

11 comentários:

Anónimo disse...

E de quem teve de avaliar várias anos soluções de transporte para commodities a partir de Portugal para o centro a Europa, a melhor solução é uma grande parte das vezes os navios, os leadtimes são semelhantes e os preços por m3 bem mais apetecíveis.
Os navios tem contra si o facto de não precisarem de betão.

Luis Tinoco Azevedo

CCz disse...

"Os navios tem contra si o facto de não precisarem de betão."

Eloquente, caro Luís.

Bruno Fonseca disse...

boas meus caros!

relativamente a esta situação, tenho a ideia contrária. acho que a linha aveiro - vilar formoso com continuação para a europa central poderia trazer vantagens significativas para a industria portuguesa.

aliás, já há alguns anos alguns industriais cerâmicos tentaram criar uma linha de comboio para levar mercadorias para a europa central, mas a coisa não correu bem.

antes de mais, o comboio tem uma estabilidade de preço que o transporte rodoviário não tem, além de ser mais económico. vejo imensas empresas que seriam clientes recorrentes.

além disso, a economia como um todo não vive apenas de nichos de mercado. e um nicho de mercado na Alemanha pode ser uma quase indústria em Portugal.

analisando o nosso tecido, vejo imensas empresas da área de têxtil-lar, calçado (existem ainda empresas que fazem em quantidades, e cada vez são mais, verdade seja dita), componentes automóveis, cerâmica, entre outras, que muito aproveitariam. além claro, de fábricas de multinacionais alemãs que certamente aproveitariam esta situação.

em relação a Sines, pelo que leio (não sou especialista, portanto a minha opinião não vale muito nesse aspecto), a ideia é fazer de Sines um hub a nível logístico e de energia. com o shale gas dos USA, Sines é o primeiro porto de águas profundas na Europa. pode ter um impacto significativo para a dinamização, bem como ser ponto de referência para os cargueiros chineses e brasileiros. veremos. tenho contudo algumas dúvidas que seja mais barato descarregar em Sines e levar de comboio do que descarregar directamente em Roterdão. mas não sou expert, repito.

bem haja!

Anónimo disse...

Caro Bruno,

Já tive de fazer várias vezes cálculos comparativos de custos entre enviar grandes volumes de Portugal para o centro da Europa e nada garante que o comboio venha a ser mais barato.
Trabalhei inclusivé com envios de comboio de grandes volumes de Portugal para o centro da Europa e na altura não eram mais baratos, eram usados por serem mais "verdes" e como tal enquadrarem-se melhor na política ambiental da empresa.

Recentemente (há duas semanas atrás) estive a avaliar envios para Moscovo entre as 3 alternativas: comboio, camião e barco,(é possível enviar hoje para o centro da Europa de comboio desde que seja feita a mudança em Hendaye) e o comboio ficou logo descartado por restrições de capacidade nas linhas no centro da Europa (uma limitação muitas vezes subestimada, outra é o facto de ser uma estruturade oferta oligopolista quando não monopolista dependendo do pais). Entre o camião e o contentor a diferença era de 75% mais caro por m3 para o camião.

Não podia estar mais de acordo consigo em relação ao plano absurdo do porto de Sines como porta de entrada da Europa. É claro que qualquer empresa não Europeia racional prefere entregar pelo que os nossos governantes consideram as "janelas" da Europa: Roterdão, Hamburgo ou Felixtowe.

Luis Tinoco Azevedo

CCz disse...

No google * o Paulo Silva escreveu:

"Compreendo as reticências de CCZ relativamente ao keynesianismo de betão, do centrão e do cifrão. Mas seguindo a sua aposta na microeconomia e nas capacidades dos verdadeiros empreendedores para descobrirem oportunidades, considero que o Norte não pode ser uma ilha ferroviária. O que não significa necessariamente investimentos faraónicos. Vejamos: Actualmente uma palete entre Leixões e Barcelona custa cerca de 40€ num contentor de 40 pés no serviço Iberlink da CPCargo+Renfe. Por via rodoviária, custará no mínimo o dobro. Para o sul de França custará o triplo. Vejamos com olhos de empreendedor: Não será possível um transitários recolher paletes pelo Norte de Portugal, encher o contentor, enviar pelo comboio actual a partir de Leixões até Barcelona e aqui iniciar a distribuição das paletes pelos clientes finais do sul da França e Norte de itália ? Eu já fiz os cálculos e com os operadores actuais e preços alternativos actuais, consigo idealizar um negócio rentável. Portanto, Carlos, cuidado com as generalizações, mesmo no que se respeita à utilidade da ferrovia de mercadorias no Norte fornecedor de produtos não comoditties à Europa pós Pirinéus."

Caro Paulo,

E a rapidez?
Haverá massa crítica que justifique esse investimento e o torne rentável?

2 a 3 vezes por mês uso a A41 (CREP) dá-me muito jeito, é cara mas permite-me estar de manhã em São João e, numa hora e muito pouco, estar em Guimarães de tarde. Mas desconfio que não há massa crítica de utilizadores que justifique e torne o investimento rentável.

Bruno Fonseca disse...

Estimado Luis,

Agradeço a sua resposta! PArece-me que percebe da poda, e é uma excelente maneira de aprender.

Em relação ao comboio vs. barco, temos que ter em atenção duas notas: custo e tempo. se em relação ao custo não tenho dúvidas nenhumas que o barco não dá hipóteses, tenho também a ideia que o tempo joga contra ele.
o comboio que liga Portugal a Alemanha, em grande parte para suportar as exportações e importações da AutoEuropa, foi na altura um grande sucesso creio eu. exactamente porque era um serviço fiável, rápido, e creio que a nível de preços também seria rentável. não me parece viável, hoje, enviar determinados produtos por comboio, pelo facto de demorar 2 ou 3 semanas a chegar ao destino, o que numa fase em que se quer reduzir stock's pode ser crucial.

em relação a Sines, não sei o que diga. acho pouco provável realmente os chineses usarem Sines para descarregarem produtos para a Europa, quando aqui não há grande mercado consumidor, e logo teria que ser depois reenviado para Alemanha ou França, quando poderiam descarregar logo na Holanda e daí despacharem mais economicamente.

Bruno Fonseca disse...

mas existe uma outra situação interessante, e até gostava de saber a viabilidade dessa situação.

dizem-me (não sei até que ponto é verdade), que saiem aviões todas as noites de Israel com destino a Paris e Alemanha, com produtos alimentares, para de madrugada terem os produtos nos mercados. acho isto incrível. antes de mais, como é possível ter produtos competitivos a nível alimentar depois de ter em cima um custo de transporte tão elevado. uma alface tem pouco valor para a sua dimensão. como é possível não ficar caríssima colocando em cima do preço o custo de uma viagem de avião?

aliás, tinha ideia que o aeroporto de Beja poderia ser utilizado para estas situações. sempre se falaram de investidores internacionais que queriam investir bastante no sector alimentar no Alentejo, com um aeroporto de pequenas dimensões relativamente perto, acho que seria uma solução excelente para todas as partes.

ps. uma pequena nota. a Alemanha importa todos os anos mais produtos alimentar em valor, que todas as exportações portuguesas.

Anónimo disse...

Caro CCz,

relativamente ao comentário do Paulo Costa:
"Actualmente uma palete entre Leixões e Barcelona custa cerca de 40€ num contentor de 40 pés no serviço Iberlink da CPCargo+Renfe.Por via rodoviária, custará no mínimo o dobro."
Impressiona-me sempre como as opiniões permeiam até as mais técnicas das discussões, refiro-ao "custará no mínimo o dobro" sem nenhuns dados para o sustentar.
Uma boa heurística para calcular preço de um camião completo T80L é 1,5€ por km percorrido. Ora Leixões -> Barcelona são 1152kms, logo o preço de um camião (mal negociado) será de 1728€. Num camião T80L são facilmente estivadas 66 euro paletes, daqui chegamos a um custo por palete de 26,16€.
Logo, mesmo sem contabilizar o défice crónico da CP que aumentaria uns euros aos 40 dados pelo Paulo Costa, é muito difícil defender o comboio para transporte de mercadoria, exceptuando alguns casos muito específicos em que falamos de mercadoria muito pesada (densa será um melhor termo, acima dos 300kg/m3 para ser mais preciso), com fluxo muito regulares e entre pontos no hinterland.

Luis Tinoco Azevedo

Anónimo disse...

Caro Bruno,

Relativamente às exportações Israelitas de produto alimentares, das quais conheço pouco e corro o risco de estar a dizer disparates, mas estive a investigar aqui:
http://atlas.media.mit.edu/explore/tree_map/import/deu/isr/show/2010/
E do que se vê a maior parte das importações alimentares Alemãs vindas de Israel são de produtos não perecíveis, com excepção das flores frescas cortadas, mas estas tem um alto valor por m3 por isso não me admira que sejam enviadas por avião.

Relativamente ao aeroporto de Beja é claramente mais um momento "Field of dreams" do anterior governo(não sei se se recorda do Kevin Costner a ouvir: "build it and they will come").

O ponto mais importante que me parece importante fazer é que hoje não há nenhum empresa portuguesa que não exporte por carência de infraestruturas de transporte, existem muitas que não exportam e muitas que não chegam a abrir actividade por excesso de infraestruturas de transporte (que se reflectem na carga fiscal excessiva que vivemos hoje). E enquanto não pararmos de construir infraestruturas de rentabilidade duvidosa não poderemos baixar a carga fiscal.

Dito tudo isto e voltando aos comboios permita-me contradizer-me um pouco e dizer que tenho uma paixão a roçar o irracional por comboios e que penso que o investimento com maior retorno nessa área seria fazer uma ligação decente entre o Porto/Braga e a Galiza, mas para transporte de passageiros.

Luis Tinoco Azevedo

CCz disse...

"com excepção das flores frescas cortadas, mas estas tem um alto valor por m3 por isso não me admira que sejam enviadas por avião."

Julgo saber que o Kenya é um grande fornecedor de flores para a Europa com entregas aéreas diárias. E julgo que a Colômbia também faz o mesmo para os EUA.

Bruno Fonseca disse...

Estimado Luis,

Agradeço a resposta. Não tenho conhecimentos para tal. não sei que tipo de produtos produz Portugal que tenham a tal densidade por si referida.

em relação a Israel, estive a ver alguns números, e as exportações de fruta e vegetais, só para a Europa (nomeadamente Alemanha, França e UK) foram de cerca de 1,4 mil milhões de euros, baseados em abacate, manga, uvas, ameixas, citrinos e morangos. ou seja, são produtos frescos, com valor (o preço médio é superior a cebolas ou batatas certamente).

bem haja!