sábado, agosto 27, 2011

Uma contribuição para a discussão sobre a agricultura com futuro

O Pedro Soares deixou uma interessante reflexão na caixa de comentários de um postal de ontem:
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"Ideias rediradas do blog BSC:

- A Agricultura de escala e de preço não funcionará em Portugal pq não temos a necessária escala (por exemplo para sermos competitivos a produzir cereais)
- A Agricultura deveria esquecer subsidios e deixar o mercado fazer o seu trabalho. Ou seja, pensar a agricultura tirando os subsidios da equação. Os subsidios seriam um extra agradável.
- A Agricultura Portuguesa deveria assumir-se como de nicho. Fornecer Maracujá, Mirtilos, frescos, etc etc. Isto pq não temos condições nem terrenos para fornecer numa lógica de escala e de preço. Qualquer Nortenho sabe que os campos do Norte não têm condições para produzir escala...
- Não nos deveremos colocar em luta contra a Globalização já que iremos gastar dinheiro e forças contra um monstro que nos acabará por vencer no fim. Ou seja, não utilizar subsidios para tornar sectores não competitivos em competitivos só pq existe falta de imaginação ou pq os agricultores assim o querem.

Agora sugestões e ideias minhas (PAS):
- Iniciar estudo junto com as diversas Universidades, sobre quais, de entre os frutos e produtos agrícolas importados pelo Norte da Europa, de fora da Europa e da bacia do Mediterrâneo, poderiam ter boas condições para ser produzidos em cada Região de Portugal. (Moi ici: O Pedro Soares começa aqui um exercício de balanced centricity: actor - Universidades. Construir a paleta de oportunidades competitivas. Não é preciso ir muito longe, por exemplo, Portugal é competitivo na produção de cereais biológicos para a produção das multinacionais do agro-alimentar. Porquê? Por causa do clima e, nesse caso, porque a escala deixa de ser um factor crítico já que quem tem escala a sério não se dedica aos cereais biológicos, é uma questão de modelo mental)
- Criar legislação para sistema de "aluguer" de terrenos agriculas não explorados. Pq? Porque assim, uma pessoa que queira arrancar na agricultura sem dinheiro (pq está desempregada) poderia iniciar no terreno abandonado de um terceiro pagando somente um aluguer ou um valor indexado ao rendimento final do mesmo terreno. Para o proprietário do terreno tem a vantagem de, além do potêncial rendimento, ter o terreno tratado e limpo. (Win-Win) (Moi ici: Bom ponto. Não sei como está a legislação agora, recordo ouvir conversas na casa dos meus pais e avós sobre os "trabalhos" em que se metia quem "alugava terras para trabalhar" o proprietário ficava quase impossibilitado de as reaver tal o regime de protecção de quem trabalhava a terra. A opção era, deixar a terra em pousio!!! Outro actor - Estado legislador. Não director mas facilitador)
- Pq legislação? - como a ideia é a de incorporar pessoas com baixa formação, para os proprietários e produtores se sentirem seguros e não terem de batalhar em contratos complexos o mercado deveria ser regulamentado à partida.
- Instituto do emprego poderia inicialmente oferecer sementes e formação sobre estes produtos a desempregados (só funciona em conjunto com a medida anterior, aluguer de terrenos). (Moi ici: Instituto do emprego? Come on Pedro! Preferia o exemplo dos pares. No livro Switch de Chip e Dan Heath há a minha solução preferida "Find the Bright Spots". Melhor do que uns profs, ou uns consultores, ou uns mordomos de Gondor... o exemplo dos pares, a visita ao terreno e a conversa para trocar experiências, é o "see and feel" first and only then... change behavior de John Kotter. Ainda este mês de Junho numa visita a um produtor de mirtilhos aqui da terra, constatei que estava a ser visitado e a conversar com um grupo de wannabe empresários que queriam arrancar com uma exploração de mirtilhos noutra zona do país. É a rede essencial que suporta e dá vitalidade aos clusters fazendo circular informação)
- Finalmente, e mais difícil, criar uma rede regional que facilite a logistica, negociação e gestão da produção destes novos produtores de nicho. Não podemos pedir a esta gente para colocar produtos na Alemanha pq eles não dispoem de contactos nem de capacidades para isso. Não sei bem como agilizar isto... (Tv alguém tenha uma boa ideia.)" (Moi ici: Pois, aqui é preciso outro actor, alguém que faça o que Steve Jobs fez com a música. A tentação é a sedução da quantidade e ir bater à porta da grande distribuição... cuidado com a pedofilia empresarial. Garantem escoamento sim mas sugam tudo, julgo que querem pagar por kg o que o consumidor paga por 125g (no caso do mirtilho). O conselho é crescer com uma marca e testar as lojas gourmet, a restauração, a venda directa via internet, o circuito de "vending machines", o circuito dos "coffee-breaks" nas empresas. Para a exportação cada vez me convenço mais que o essencial é escolher e participar em meia-dúzia de feiras internacionais. Mais uma vez o exemplo dos pares é fundamental)
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Repare Pedro, as CAPs hoje em dia, encontram justificação na discussão, gestão, distribuição dos subsídios e outras benesses. Serão o maior entrave a qualquer mudança, ainda para mais uma mudança que privilegie os pequenos em outras culturas que não o cereal. 

16 comentários:

André disse...

Mesmo muito bom! Isto devia ser enviado ao Ministério da Agricultura (e sobretudo à CAP; seria interessante ver que reação teriam a essas ideias).

Só tenho uma pequena dúvida em relação a isto:
"O conselho é crescer com uma marca e testar as lojas gourmet, a restauração, a venda directa via internet, o circuito de "vending machines", o circuito dos "coffee-breaks" nas empresas."
É verdade que se a maioria dos agricultores (e dos empresários em geral) pensás assim muita coisa seria resolvida. O problema é que isso é muito difícil de pôr em prática. Especialemente para quem tem produção demasiada alta para esse tipo de mercado, mas insuficientemente alta para competir com os grandes da Europa do Norte e afins. E outra coisa (que lá está) é a dificuldade em criar redes de contactos.

CCz disse...

Caro André:
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"para competir com os grandes da Europa do Norte e afins"
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Mas o truque começa precisamente por aí, começa pela produção para nichos daquilo em que podemos ser competitivos face a outros.

CCz disse...

Caro André:
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Por exemplo, a Nestlé de Avanca, concelho de Estarreja, compra os cereais biológicos em Portugal não por causa dos lindos olhos dos portugueses mas pelas vantagens que isso traz para a empresa.
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Até quase que era capaz de apostar que esses cereais biológicos, dada a dimensão das áreas produtivas, nem têm subsídios (mas não posso afirmá-lo com toda a certeza)

CCz disse...

Em tempos escrevi uns postais com o título ""You are building a business not a product"
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http://balancedscorecard.blogspot.com/2011/03/you-are-building-business-not-product.html
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Por isso comento o texto inicial do Pedro remetendo para um marcador recente deste blogue, a "balanced centricity" a necessidade de considerar todo o ecossistema de intervenientes, os actores, e de desenvolver um guião e um enredo (aquilo a que Storbacka e Nenonen chamaram recentemente "script of the market")
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Muita gente ainda não despertou para a nova realidade, não basta saber produzir, não basta ter um excelente produto, há que saber ajudar os clientes a comprar... mais do que vender.

Avó Pirueta disse...

Carlos, você é mesmo BOM! E concordo com o André: alguém devia mandar o conselho a alguns ministros para seguirem o seu blogue. Deus o abençoe e continue a inspirar.
Abraço, Avó Pirueta

André disse...

Claro o senhor Carlos tem toda a razão. Só que como lhe disse é difícil criar redes de contactos (ou encontrar o nicho aonde vender).
(Eu bem digo aos meus tios, que produzem maçã em escala, só que bom... é complicado).

Fique bem!

Pedro Soares disse...

Bom dia,

Fico muito honrado por um comentário ter gerado um postal com tanta discussão.

Alguns comentários:
- acho que uma operação destas com tantos actores teria de ter uma entidade "maior" de coordenação inicial, quer por uma questão de celeridade como de organização e comunicação entre os vários actores.
- Como um dos principais actores seriam os desempregados, coloquei como sugestão o Instituto de emprego, que apesar de funcionar hoje muito mal, poderia fazer o papel de coordenador de formação especifica(muito necessária) e de catalisador do arranque do movimento através da já falada distribuição de sementes. Não é por algo funcionar mal(e porcamente) que deveremos de desistir de que passe a funcionar melhor :P ou pelo menos a fazer qq coisa de jeito :).
-Não acredito na solidariedade entre empresários Portugueses (temos a cultura que temos e pronto... existem excepções mas temos de nos regrar pelo geral). Acreditar na solidariedade ainda é mais perigoso quando o objectivo é fazer arrancar uma nova economia. Repare Carlos que, se tudo fosse viável, numa primeira fase iria existir uma corrida aos terrenos, o que iria criar uma primeira competição entre "concorrentes", que nunca mais deixariam de o ser . Bem ao estilo Português. Além disso uma coisa é dar umas sementes a uns curiosos… outra é dar sementes a um mar de potenciais concorrentes.
- Concordo com o André… esta coisa de chegar aos nichos é muito complicada… Os nichos normalmente estão muito dispersos geograficamente, podem falar outras línguas, não têm canais de comunicação facilmente identificáveis, etc. Na teoria é correcta a ideia dos nichos… falta é ligar os pontos entre os nossos produtores e os nichos em questão.
- Discordo com o André quando ele diz que os produtores de grandes quantidades têm mais dificuldades em entrar em determinados mercados. Acho que é tudo uma questão de segmentação dos produtos e/ou de criação de marcas independentes com o objectivo de atingir esses mercados. Ou seja, criar condições para migrar parte da produção para mercados mais atractivos… um passo de cada vez. Repare André, não digo que é fácil, mas não acho que seja mais difícil… (veja como os vinhos, os azeites, e até os iogurtes, os sumos e as águas… etc etc procuram cada vez mais criar segmentações internas na busca de novos mercados de nicho mais rentáveis, suportados pelos cash flows das “vacas leiteiras” que são os seus produtos para as massas).

- Ao escrever isto lembro-me da tão mencionada, neste blog, industria do calçado. Esta industria criou um associativismo focado no locus interno que lhe permitiu chegar aos tais mercados de nicho que normalmente são tão difíceis de atingir. Tv os nossos produtores necessitassem disso desde o primeiro momento.
- Aliás, sonhando mais um pouco, este organismo poderia funcionar tb como facilitador das ferramentas, máquinas e de tecnologia de embalamento para este grupo de produtores, mais uma vez reduzindo custos iniciais e aumentando o retorno dos equipamentos. (Isto está a fazer lembrar as cooperativas de antigamente… que não funcionavam assim tão bem! Será uma ratoeira?)

- Finalmente… a Avó Pirueta é, justamente, uma mamã babada. Parabéns…

Espero que estas ideias não morram.

CCz disse...

A propósito de "esta coisa de chegar aos nichos é muito complicada…"
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É complicado, não o nego. Mas não será menos complicada do que no passado? As redes sociais não poderão ajudar a diminuir a dificuldade? O pensamento em termos de ecossistema e modelo de negócio não facilitará?
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Vejam este exemplo da Zara nos EUA:
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http://www.journaldunet.com/ebusiness/commerce/zara-e-commerce-us-0811.shtml
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Não estamos a falar de marketing para massas, estamos a falar de marketing para tribos.

CCz disse...

Quanto à necessidade de uma coordenação central... aí sou muito céptico.
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Prefiro acreditar na "confiança caórdica"
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http://www.johnniemoore.com/blog/archives/002928.php

Pedro Soares disse...

Concordo para a generalidade dos mercado e para empresas já estabelecidas, CCz,

Mas voltando ao particular da questão da agricultura e do modelo abordado, acho que quando estamos a propor iniciar um negócio novo, com pessoas não necessariamente qualificadas e com necessidades de conhecimentos muito especificas mas muito distantes da formação de redes de contactos, da negociação de contratos e preços ou da gestão de operações logísticas complexas, não podemos acreditar que essas pessoas vão investir tempo na criação dessas redes e na busca desses nichos. Vão estar mais preocupadas a tratar do dia a dia e a procurar manter a sua cultura de pé e a produzir. Acho que para essas pessoas vai parecer tudo muito irreal!

Insisto que o potencial segredo estará na criação de um modelo em que exista uma entidade organizadora e gestora das operações dos vários grupos de pequenos produtores. Essa entidade seria responsável por dar apoio técnico, gerir recursos comuns a todas as operações, etc etc.

Que acha? Como poderia isto acontecer?

Pedro Soares disse...

Desculpe mas só agora vi o segundo comentário. Deve ter aparecido enquanto eu ia escrevendo o meu e não reparei nele.

Li atentamente o artigo (duas vezes) e acho que o Sistema de Confiança Caótica é uma hipótese para grupos que naturalmente cooperam entre si. Quando existir uma saudável competitividade entre elementos do grupo não sei se o comportamento em direcção à ordem será suficientemente rápido para a maior parte dos elementos não cair nas armadilhas e tentações do costume e ficarem presos nas redes de distribuição e nos grandes grupos que já conhecemos e que adoram as massas.

Desculpe mas desconfio muito do caos e dos resultados daí advindos.
Sou mais um rapaz de estratégia, planos, acções, implementação e revisão (e volta tudo ao inicio outra vez).

CCz disse...

"Insisto que o potencial segredo estará na criação de um modelo em que exista uma entidade organizadora e gestora das operações dos vários grupos de pequenos produtores"
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Ok, então não estamos a falar de empreendedores, estamos a falar de assalariados travestidos de empreendedores. Tudo bem, é honesto e permite ganhar a vida. Mas quem abdica do contacto e da autonomia com o cliente final fica à mercê do intermediário.
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Há tempos encontrei uma empresa que tinha feito um acordo com um grupo da grande distribuição. Compraram batata de semente à Dinamarca e iam dá-la/vendê-la a agricultores para a semearem, depois, eles comprariam e tratariam da distribuição. É uma possibilidade.
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Quando penso nisto penso mais em empreendedores como este exemplo canadiano:
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http://balancedscorecard.blogspot.com/2010/12/agricultura-com-futuro.html
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Estes empreendedores têm de perceber que mais importante que a produção, que pode ser acompanhada por funcionários com pouca escolaridade, está o conhecimento do mercado e trabalhar na gestão da procura em vez de alimentar a oferta.

CCz disse...

Quando falo na confiança caórdica, falo na multidão de empresas individuais, cada uma com a sua estratégia individual mais ou menos bem alinhavada, do somatório dessa massa é que a resultante é caótica, porque não há um grande geómetra por trás a dar orientações únicas.
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Na sequência do que escreveram Hamel e Valikangas acerca da resiliência da vida que não planeia mas aposta tudo na diversidade.

Pedro Soares disse...

Boa tarde,

Concordo que se a entidade for independente e com fins lucrativos a situação não se tratará mais do que uma subcontratação e exploração da dita mão de obra.

No entanto a minha ideia passaria mais pela criação de uma empresa com capital detido pelos produtores que iria tratar das variadas competências que já falei.

Conheço várias em Espanha deste tipo, nomeadamente no sector da fruta e da transformação dessa fruta em polpas e concentrados para vender posteriormente aos produtores de refrigerantes.

Uma dessas empresas que me vem logo à memória é a Zucasa (http://www.zucasa.es/empresa.aspx e http://www.rondasomontano.com/revista/27899) mas já estive em outras empresas do mesmo estilo. No fundo são cooperações entre produtores para ganharem escala e poder negocial perante os “monstros” da distribuição. Neste caso “adiantam” uma parte do processo, acrescentando valor ao produto. No caso da Zucasa 10% são comparticipados pelo estado e outros 10% pelo principal cliente dos sumos.

Neste caso os produtores não são assalariados ou subcontratados do cabecilha para o qual produzem. Neste caso os produtores são os proprietários da cabeça e juntam-se para potenciar o seu negócio. A cabeça está a gerir a sua operação sozinha, no dia a dia, com quadros próprios etc etc. Os proprietários reúnem quando necessário para aprovar orçamentos, distribuições de resultados, etc.

No caso dos nossos micro produtores de nicho poderíamos fazer algo semelhante mas adaptado à realidade destes.

Que acha Carlos? É mais equilibrado?

Pedro Soares disse...

E já agora, adoro e apoio a maneira do Canadiano montar o negócio.

Será uma forma alternativa ou complementar à sugestão dada para participação das Universidades.

Tive um professor de marketing (um dos que mandam nos grandes grupos económicos) que me ensinou duas coisas (adaptadas por mim):

"Mesmo que já tenhas produto questiona se os clientes não estarão a necessitar de uma outra coisa. Parte sempre do zero."

"Não tentem transformar os vossos Planos de Marketing em documentos de prova das vossas profecias"

Ou seja, não é aquilo que prevemos ou achamos que deve ditar o nosso produto. São as necessidades dos nossos clientes.

Não poderia concordar mais com o Canadiano :).

CCz disse...

Acho essa ideia "Neste caso os produtores são os proprietários da cabeça e juntam-se para potenciar o seu negócio." interessante.
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Não sei como está a avançar o cluster do mirtilho em Sever de Vouga, sei que há algum tipo de organização de empresários.