sexta-feira, maio 09, 2008

Muitas ideias - não uma crença única

Um dos meus livros preferidos (caro Raul) é da autoria de Karl Popper e chama-se “Em busca de um mundo melhor”.
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Lembrei-me desse livro, por causa do artigo do Jornal de Negócios que referi neste postal “A tentação (nacional)-socialista”.
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O décimo-quinto capítulo intitula-se “Em que acredita o Ocidente?”, seguem-se alguns trechos:
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“Em que acredita o Ocidente?”
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“Se nos interrogarmos com seriedade sobre aquilo em que acreditamos e procurarmos responder com honestidade, a maioria de nós terá de admitir que não sabe exactamente em que deve acreditar. A maioria de nós passou pela experiência de ter acreditado nuns ou outros falsos profetas, e por influência desses profetas, nuns ou noutros falsos deuses. Todos nós vimos as nossas crenças abaladas, e aqueles poucos cuja fé atravessou incólume todas as perturbações, terão de admitir que não é fácil, hoje, saber em que acreditamos no Ocidente.
Esta minha observação de que não é fácil saber em que acredita o Ocidente talvez soe demasiado negativamente. Conheço muito boa gente que considera uma fraqueza do Ocidente não termos nenhuma ideia-mestra, comum, nenhuma crença única que possamos contrapor, orgulhosamente, à religião comunista de leste (este texto é retirado de uma conferência proferida em 1958 em Zurique).
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Esta opinião generalizada é absolutamente compreensível. Mas considero-a estruturalmente falsa. Deveriamos orgulhar-nos sim por não termos uma ideia, mas muitas ideias, boas e más; por não termos uma crença, uma religião, mas várias, boas e más. É um símbolo da vitalidade superior do Ocidente o facto de podermos permitir-nos isto. A unificação do Ocidente assente numa ideia, numa crença, numa religião representaria o fim do Ocidente, a nossa capitulação, a nossa submissão incondicional a uma ideia totalitária.

É sobretudo a ideia de uma ideia única, a crença numa crença única e exclusiva. Uma vez que me defini como um racionalista, é meu dever chamar a atenção para o facto de o terror do racionalismo, da religião da razão, ser, se possível, mais grave ainda do que o fanatismo cristão, maometano ou judeu. Uma ordem social puramente racionalista é tão inviável quanto uma ordem social puramente cristã, e a tentativa de realizar o impossível conduz, neste caso, a monstruosidades pelo menos tão graves. O melhor que se pode dizer do terror de Robespierre é que foi relativamente efémero.
Esses entusiastas bem intencionados que sentem o desejo e a necessidade de unificar o Ocidente sob a liderança de uma ideia inspiradora, não sabem o que fazem. Ignoram que estão a brincar com o fogo – que é a ideia totalitária que os atrai.
Não, não é da unicidade de ideias, mas da sua multiplicidade, do pluralismo, que nos devemos orgulhar, no Ocidente. E à pergunta “Em que acredita o Ocidente?” podemos dar agora uma primeira resposta, provisória. É que podemos afirmar orgulhosamente que no Ocidente acreditamos em muitas e diversas coisas, em muitas coisas verdadeiras e em muitas coisas falsas. Em coisas boas e em coisas más.

5 comentários:

Raul Martins disse...

Obrigado por me ajudar a olhar as coisas com maior profundidade. Coloquei este poste no meu blogue.
Vou estar mais atento.
Carpe diem!

Anónimo disse...

Olá, Engenheiro. Karl Popper é, tal como alguns, poucos, Poetas, Escrityores, Músicos e outros, um Profeta dos tempos modernos. Como já foram Isaías, Jeremias, João Baptista e outros do Antigo Testamento. É consolador ver um Adulto jovem, maduro, que sabe tão bem mostrar que a Vida é mais do que Razão, é mais do que Gestão, é mais do que Matéria. Obrigada por nos lembrar a todos, mesmo aos mais velhos.
Um abraço da Voluntária Angolana

ZeManL disse...

Em suma, o mundo "ocidental" não pode ser visto apenas a Preto & Branco, nem na dicotomia "Mercado vs Estado"

osátiro disse...

Esse texto devia ir directo para a esquerda caviar.

CCz disse...

A Vida é meta definições ...