domingo, abril 19, 2015

Sraffa e a concorrência imperfeita (Parte II)

Terminei a Parte I afirmando que há um ponto que pode pôr por terra esta frase:
"the expansion of firms is halted not by raising costs but by the limitation of demand"
Vamos a esse ponto, pegando a conversa mais atrás. Ontem, no Twitter, apanhei uma afirmação, que suscitou logo o meu comentário:
E volto a Maio de 2011, a algo que escrevi em Valpaços:
  • "Se me vendem a redução da TSU para tornar as empresas que exportam mais competitivas não engulo.
  • Se me venderem a redução da TSU para facilitar a vida às empresas que vivem do mercado interno concordo.
  • Se me venderem a redução da TSU para capitalizar as empresas concordo."
Como têm evoluído as exportações portuguesas?
Em Novembro de 2011, aprendi, com Caldeira Cabral, que no período 2005-2010 as exportações portuguesas tiveram este desempenho, apesar da subida do salário mínimo nacional em cerca de 20% (sim eu sei que estava aqui metida a aberração das exportações da Qimonda, o país tinha prejuízo com cada euro exportado):
No período 2011-2014 as exportações portuguesas continuaram a crescer bem e nalguns anos até acima das alemãs. Apesar do euro forte, o peso das exportações para fora da zona euro tem aumentado.
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Quando me falam que é importante baixar uns cêntimos com a TSU, para aumentar a competitividade das empresas exportadoras portuguesas, penso logo neste tipo de comparação entre o custo da mão-de-obra portuguesa e da de outros países que competem pelos custos:
Apesar desta diferença, este resultado bem sucedido, já que se exporta mais de 95% do que se produz:
E no têxtil, com este panorama:

"2014 foi o melhor dos últimos 11 para as exportações da indústria têxtil e vestuário portuguesa, que cresceram 8% face a 2013 e somaram 4,6 mil milhões de euros.
...
o vestuário foi a principal categoria de produtos exportada, representando 60% do total das exportações do setor, no valor de 2,8 mil milhões de euros, tendo crescido 9%."
Depois, há ainda a minha afirmação, naquela conversa no Twitter:
"só os exportadores grandes é q usam os custos baixos para ganharem competitividade"
Só os exportadores grandes como a Autoeuropa e pouco mais é que ficaram por cá, de resto, com a abertura da China, os exportadores grandes foram todos embora e as empresas portuguesas grandes ou fecharam, ou encolheram, porque não podiam competir nos custos com a China. Recordar:

"Há 12 anos éramos 500 pessoas e tínhamos cinco clientes activos. Hoje somos 160 e temos mil clientes activos"
É claro que qualquer exportador acolherá de braços abertos qualquer descida na TSU ou em outro qualquer custo externo, como no passado se acolhia a desvalorização cambial.
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Agora, vamos ao ponto da Parte I, e aquela afirmação:
"por mim, quem + precisa delas é quem ñ exporta e está prisioneiro do mercado interno"
Lembram-se do relatório acerca do desemprego feito em 2012?
O relatório, com base nos números e, com pouca base para manipulação, permitia concluir coisas como:
"Quanto mais um sector económico da economia portuguesa é aberto ao exterior, à concorrência internacional, menor é o aumento do desemprego:
"O emprego evoluiu de formais favorável nos sectores transaccionáveis.
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Entre os sectores que apresentam variações percentuais do emprego mais positivas ... estão alguns dos mais transaccionáveis e com elevados graus de abertura""
Acredito que no século XXI, na primeira metade da década, fruto do choque chinês no país que era o paraíso do low-cost na CEE, o desemprego no sector transaccionável cresceu, para depois, baixar na segunda metade depois da reconversão que constatei em 2008.
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Acredito que no século XXI o emprego no sector não-transaccionável foi crescendo à custa de obra pública e crédito fácil, daí o défice comercial (2010):
"Medina Carreira indignava-se, no ano passado, com o ritmo de endividamento de Portugal de 2 milhões de euros por hora, agora já subiu para 2,5 milhões de euros por hora. E ainda não chegamos a 2014, para as PPPs começarem a disparar."
Depois, com a falência do país, o emprego no sector não transaccionável não podia ser suportado e teve de cair.
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O que acontece à frase de Sraffa, quando se está num sector não-transaccionável? Se os custos sobem, isso não é problema desde que a procura se mantenha, suportada por crédito ou salários mais altos... mas se o país importa mais do que exporta, então, a procura é suportada por crédito.
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O que acontece quando se fecha a torneira do crédito?
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A procura cai abruptamente!
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O que é que é preciso para salvar as empresas que vivem desse mercado interno fechado em colapso?
  • reduzir custos (reduzir trabalhadores, reduzir salários, aumentar eficiência, ...)
  • roubar clientes aos concorrentes; (porque se é mais simpático, porque se dão melhores condições, porque se têm artigos diferentes; ...)
  • mudar de mercado; (o que recomendei à artesã, o que aconteceu com o burel de Manteigas, o desafio de Rosa Pomar)
  • expandir para o exterior (o que fizeram as construtoras)
Contudo, não haja ilusões, com o encolhimento do mercado interno motivado por:
  • redução do poder de compra;
  • migração para as cidades;
  • emigração;
  • demografia (quem está na casa dos 60 anos tem o mesmo perfil de compras de quem está na casa dos 30 anos?)
O número de agentes económicos tem de baixar.
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Rápido, quando um mercado fechado está a encolher, qual é a primeira regra de actuação dos agentes mais poderosos?
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Fazer pressão junto do governo ou poderes públicos, para criar barreiras à entrada e para encarecer a vida dos agentes com menos possibilidades. São exemplo disso:
  • pressão de regulamentos e regras;
  • pressão de certificações de produto e outras;
  • pressão de ASAE et al;
  • pressão do aumento do salário mínimo;
  • pressão do aumento de obrigações burocráticas;
  • ...
Repararam, "pressão do aumento do salário mínimo"... a loja de roupa em Bragança, independentemente do número potencial de clientes e do seu poder de compra, tem de pagar o mesmo salário mínimo que uma loja de roupa em Lisboa.
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Assim, acredito que a frase de Sraffa, com a qual concordo plenamente para o sector transaccionável, pode não ser válida para o não-transaccionável, não é válida para uma situação em que, apesar dos custos subirem, não se consegue captar mais procura capaz de os compensar, porque:
  • não há mais clientes que se possam captar;
  • os clientes actuais não estão dispostos a gastar mais, por falta de orçamento ou por falta de necessidade;
  • os clientes actuais estão a gastar menos porque ganham menos, porque mudaram de gosto, porque envelheceram, porque não têm filhos, porque emigraram, porque migraram, porque morreram, porque foram roubados pela concorrência, porque ...
Afinal... a frase de Sraffa até que continua válida... a expansão é limitada pela incapacidade de actuar sobre a procura... seja no mercado interno, seja no mercado externo.

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