"Muita da nossa lã vale menos do que a mão de obra necessária para a tosquiar (a lã da maioria das nossas raças churras vale em geral menos de €0.25/kg). A sua progressiva desvalorização ao longo dos últimos cinquenta anos criou uma espécie de ciclo vicioso difícil de quebrar"O ciclo vicioso pode ser representado desta forma:
O postal termina desta forma:
"Hoje em dia a lã da maioria das ovelhas mondegueiras faz pensar em tapetes resistentes (oxalá houvera quem os fizesse) e pouco mais. Mas como seria há três gerações atrás? E como poderia voltar a ser?"E como poderá voltar a ser?
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Esta pergunta fez-me recordar um texto de Malcolm Gladwell sobre o que consideramos uma desvantagem.
"So far in David and Goliath, we've looked at the ways in which we are often misled about the nature of advantages. Now it is time to turn our attention to the other side of the ledger. What do we mean when we call something a disadvantage? Conventional wisdom holds that a disadvantage is something that ought to be avoided - that it is in a setback or a difficulty that leaves you worse off than you would be otherwise. But that is not always the case."A teoria neoclássica entranhada no senso comum económico, parte do princípio que lã é lã, que a lã é toda igual, que a lã é uma commoditie. Como commoditie, a lã será utilizável em toda uma série de aplicações.
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Acontece que a lã da maioria das ovelhas mondegueiras não será a mais adequada para muitas aplicações e, por isso, fica desvalorizada. Em que é que a lã das mondegueiras pode fazer a diferença? Em que é que a lã das mondegueiras pode ser uma vantagem?
Quem trata a lã como uma commoditie só vê um pico na paisagem competitiva, um pico em que todos os tipos de lã competem por todos os tipos de aplicações e usos.
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Quem foge de tratar a lã como uma commoditie, foge do granel, olha para a paisagem competitiva e vê muitos picos, vê muitas combinações ideais entre diferentes tipos de lã e diferentes aplicações ou usos.
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Dadas as características da lã mondegueira em que é que pode ser utilizada com vantagem? Custa-me a crer que um tipo de lã tenha chegado aos nossos dias sem uma qualquer particularidade em que seja competitiva. Em vez de ir a todas, escolher um nicho e trabalhar para aí e a partir daí.
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Se calhar não é a lã que tem de mudar, se calhar são os mercados onde se quer vender os produtos autênticos feitos com ela que têm de mudar. Como no exemplo da artesã de Bragança, ou das tábuas de cozinha, ou do burel de Manteigas, ou os "Tecidos tradicionais em lã como o burel, a samarra ou o sarrubeco" de Albano Morgado.
2 comentários:
O meu trabalho na Retrosaria tem sido precisamente este, de tentar mostrar a quem entra que não existem só as chamadas "lãs para bebés" e que para usos diferentes é mais interessante procurar lãs diferentes. Paralelamente tenho estado a trabalhar com lã de diferentes raças autóctones, criando fios para tricot tanto de produção industrial (ainda que em pequena escala) como de produção totalmente artesanal ( http://retrosaria.rosapomar.com/collections/fios-rosa-pomar ). É um verdadeiro desbravar de terreno, numa realidade em que (ao contrário do que já acontece noutros países) os clientes que valorizam outras qualidades (resistência, textura, contexto, cultura, biodiversidade) que não a suavidade da lã constituem um nicho ainda muito reduzido. Mas é sem dúvida o que mais gozo me dá, tanto junto dos produtores (pastores, associações) como junto de quem valoriza (ou aprende a valorizar) os fios.
Com a Mondegueira há que inventar destinos para a lã que existe (isolamento térmico, acústico, colchoaria, tapetes), mas seria fantástico ver os produtores mais informados a trabalhar a qualidade da lã, porque é um processo relativamente rápido (diz quem é de genética). Revertia-se o ciclo, criava-se mais um motivo para optarem por raças autóctones, etc.
PS: o link para o "postal", logo no início, não está a funcionar
Faz todo o sentido!
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É com exemplos concretos, com histórias de sucesso que as pessoas possam copiar e com as quais se possam identificar.
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