quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Salários baixos, sensemaking e...

Facto 1:
As desgraçadas declarações do ministro da Economia, Manuel Pinho, na China, perante uma plateia de potenciais investidores chineses:

"Portugal é um país competitivo em termos de custos salariais. Os custos salariais são mais baixos do que a média dos países da União Europeia e a pressão para a sua subida é muito menor do que nos países do alargamento". (retirado do artigo de David Pontes "Polémica em Portugal com discurso em Pequim" no JN de hoje, ver também página da TSF.

Facto 2:
A tentativa de contenção de danos, por parte do porta voz do partido do governo, Vitalino Canas, aqui:

"O Governo tem um modelo de desenvolvimento que não passa por aí, queremos ser competitivos por outras razões que não essa. O Governo tem dito isso, que quer um modelo de evolução baseado em maior valor acrescentado, qualificação, salários mais elevados."

Inferência 1:
Uma cerimónia deste tipo tem de ser minimamente planeada. Será que o gabinete do ministro preparou o evento?
Será que alguém identificou o segmento estratégico de empresários chineses que interessam à economia portuguesa?

Qual o perfil de investidor chinês que foi convidado a assistir à cerimónia?
Todos (just a warm body”)? Houve algum critério de escolha?

As afirmações do ministro revelam, IMHO, ou ausência de visão estratégica, ou incompreensão pessoal, do modelo de desenvolvimento de que fala Vitalino Canas.

Devia ser claro:
* qual o perfil de empresário-alvo que interessa;
* o que lhes vamos oferecer, para os cativar, a meia dúzia de parâmetros em que nos
diferenciamos de outros países;
* como vamos oferecer essa proposta.

Inferência 2:
Desde que descobri a contribuição do sensemaking e do sensegiving, para entender e fomentar a mudança, que não quero outra coisa, apliquemos algumas ideias a este caso:

“Sensegiving is the process whereby managers (o Governo – nas palavras de Vitalino Canas) seek to influence the sensemaking and meaning construction of others toward a preferred redefinition of organizational reality (neste caso o país económico, o investimento estrangeiro).

“…making sense means creating order and understanding among experiences by applying a mental framework. The process of connecting a framework to an issue, which has been introduced into the mind (i.e. bracketed), is at the very core of making sense.”

“…differences in meanings can be understood with the help of the concept of the cognitive scheme. A cognitive scheme is a mental structure that helps individuals to make sense of the world and thus to assign meaning to issues.”

“Every individual has several cognitive schemes and one individual’s set of cognitive schemes constitutes a complete mental framework. An individual’s cognitive schemes are constructed from earlier experiences, and are thus strongly influenced by sensemaking processes over time.”

“…cognitive schemes are shaped by the life story of each individual.”

“…the differences in meanings among the members of (Governo) is very much an effect of differences in the cognitive schemes that are used in assigning meaning in the vision behind the changes.”

“ (o Governo) seems to have had a heterogeneous cognitive profile regarding this issue. By cognitive profile I mean the cognitive schemes of several individuals, that is to say the concept refers to the group level and corresponds to the concept of the cognitive scheme at the level of the individual.

“Meaning obviously cannot be assigned to an issue until the issue in question has been bracketed. Or, to put it another way, an individual cannot “look at” and “examine” an issue until the issue has been introduced into the individual’s mind.”

“…it is by reflecting upon issues that have been bracketed that people can create meaning and understanding.”

Assim, pode inferir-se que não existe uma posição do Governo, existem várias posições, porque os ministros têm perfis cognitivos heterogéneos. Daí, em função do “bracketing degree”, ou temos um “disparate meaning” ou um “fragmentary meaning”, não um “collective meaning”, uma posição única comungada pelos ministros do Governo. Para aspirar a uma posição única, homogénea, o chefe do Governo tem de estilhaçar os paradigmas mentais dos seus ministros, para os forçar a aumentar o “bracketing degree”, para aumentar a homogeneidade do perfil cognitivo do Governo, o chefe do Governo deve descrever de forma clara, o estado futuro desejado.

Quando no inicio dos anos 60 a Boeing quis desenvolver o 727, os engenheiros, em vez da ainda hoje, vulgar exortação “façam o melhor avião de passageiros do mundo”, receberam a seguinte missão” façam um avião capaz de transportar 131 passageiros; realizar, sem escalas, o trajecto Miami-New York; e que possa aterrar na pista XPTO (a mais curta) do aeroporto de La Guardia”. Temos de convir que a segunda proposta é muito mais poderosa como homogeneizadora de perfis cognitivos.

Acabo de ouvir na rádio que o ministro atira as responsabilidades, para a má fé dos jornalistas e dos sindicatos, … quanto mais o ministro se debater e esbracejar, mais se enterrará nas areias movediças em que se colocou. Porque o sensemaking dos cidadãos já viu tudo.

Texto em inglês retirado de:
“Sensemaking in organisations – towards a conceptual framework for understanding strategic change”, de Thomas Ericson, publicado no Scandinavian Journal of Management., 17 (2001) 109-131
Já agora, este artigo deveria ser lido pelos promotores da fusão dos hospitais, Miguel Bombarda e ... em Lisboa.

Sem comentários: