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quarta-feira, dezembro 17, 2025

Sem produtividade, inovação e subida na escala de valor, não há política externa que salve uma economia — apenas tempo comprado

O FT de ontem publica um artigo de Michael Pettis intitulado "The key distinction Europe must make on trade policies".

O artigo argumenta que a Europa é frequentemente mal diagnosticada como economicamente fraca devido a salários elevados e a um Estado social robusto. 
"Europe is often portrayed as the great underperformer of the global economy, undermined by economic rigidity, high wages and an expansive social welfare system."
O autor defende que estes factores não são, em si mesmos, a causa da perda de competitividade global da Europa. Pelo contrário, salários mais altos e redes de protecção social robustas sustentam a procura interna, incentivam o investimento produtivo e favorecem o crescimento global.
O verdadeiro problema surge num sistema internacional em que outras grandes economias manipulam os seus saldos externos - através da compressão salarial, de subsídios ou de controlo cambial - exportando os custos do ajustamento para parceiros como a Europa. 
"In an international trading system dominated by economies that intervene to manage their external balances, these same policies put Europe at a competitive disadvantage."
Nestas condições, a Europa enfrenta uma escolha difícil: ou desmonta o seu modelo social (com custos económicos e sociais elevados), ou intervém nos seus saldos externos. 
"Unless Europe is willing to dismantle its welfare system and force down wages relative to productivity... it has no choice but to intervene in its external accounts."
Essa intervenção, sustenta o autor, não é proteccionismo, mas uma resposta defensiva a distorções globais.
"The purpose of such intervention is not protectionism but rather to reverse the consequences of trade intervention abroad."

O argumento é intelectualmente sólido: salários elevados e um Estado social robusto não são, por si só, sinónimos de ineficiência. Pelo contrário, sustentam a procura interna, incentivam o investimento e contribuem para o crescimento global. Num mundo em que as grandes economias gerem activamente os seus desequilíbrios externos, quem não o faz acaba por absorver os custos.

Ainda assim, o texto deixa de fora um ponto decisivo. Competitividade sem produtividade é sempre transitória e acaba invariavelmente em empobrecimento.

É verdade que a Europa não pode — nem deve — competir pela compressão salarial (já no tempo da troika, e mesmo antes, eu estava contra essa solução). Mas também é verdade que salários elevados só são sustentáveis quando assentam numa trajectória contínua de ganhos de produtividade. E é aqui que reside a fragilidade europeia mais profunda: não tanto na política comercial, mas na dificuldade em subir sistematicamente na escala de valor.

Durante demasiado tempo, parte da indústria europeia permaneceu ancorada em segmentos maduros, intensivos em custo e facilmente replicáveis. Nesses sectores, qualquer vantagem competitiva é frágil, facilmente corroída por países dispostos a aceitar salários mais baixos, apoios estatais mais agressivos ou ganhos de escala imbatíveis. Intervir nos saldos externos pode mitigar os sintomas, mas não resolve a causa.

A história económica oferece um enquadramento útil para este dilema: a teoria dos Flying Geese. O desenvolvimento não é um estado; é um movimento. As economias avançam em formação, abandonando actividades de menor valor à medida que sobem para sectores mais sofisticados, intensivos em conhecimento, tecnologia e organização. Quem lidera o voo cria espaço para salários mais altos e para um modelo social exigente. Quem deixa de subir fica preso numa corrida para o fundo — ou depende de protecções cada vez mais artificiais.

A verdadeira questão não é se a Europa deve proteger o seu modelo social. Deve. A questão é se está a criar a base produtiva capaz de o sustentar no futuro. Sem inovação, sem escala tecnológica, sem capacidade de gerar valor acrescentado crescente, o modelo social torna-se vulnerável — não por ser excessivo, mas por lhe faltar suporte económico.

A história económica mostra que os países que prosperam não são os que defendem eternamente as suas vantagens passadas, mas os que se reposicionam continuamente. A Europa parece, muitas vezes, mais preocupada em preservar estruturas existentes do que em construir as próximas. O risco é claro: comprar tempo sem mudar de trajectória.

Intervir pode ser necessário. Mas sem uma estratégia consistente de transformação produtiva, essa intervenção é apenas isso — tempo comprado. E tempo comprado, sem mudança estrutural, raramente é bem utilizado.

Recordo o que escrevi sobre a Autoeuropa, aqui e aqui, o que era quando se instalou em Portugal e o que é agora. A perda de glamour reside no envelhecimento do produto, na sua incapacidade de gerar as margens de outros tempos, por causa da concorrência.

O retorno de uma actividade económica começa por crescer, até que se torna atractivo para chamar mais concorrência, e o retorno cai, basta ver a figura animada que se segue:


Só há uma forma sustentada de fugir ao empobrecimento: subir na escala de valor.

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