Em 2013 aprendi com John Kay o termo obliquity — obliquidade — que então registei num texto aqui no blogue. A ideia é simples, mas poderosa: certos objectivos não se atingem de forma directa. Lucro, para uma empresa, é como o desemprego para um governo. São metas desejáveis, mas que não podem ser perseguidas de frente. É preciso trabalhar de forma indirecta, sobre as causas que lhes dão origem.
Retomei esse tema em 2021, no texto "Lucro? E para quê e para quem?", onde escrevi que o lucro deve ser entendido como um objectivo oblíquo. Considero absurdo elegê-lo como objectivo directo, tal como seria absurdo ouvir um político declarar que o seu objectivo é apenas reduzir o desemprego. Sempre que isso acontece, dá asneira. O lucro, como a redução do desemprego, é consequência de outras coisas: de clientes conquistados, de clientes satisfeitos, de clientes que continuam a confiar em nós.
Esta semana voltei a encontrar John Kay, agora numa recensão publicada na revista Money Week ao seu mais recente livro "The Corporation in the 21st Century: Why (almost) Everything We Are Told About Business is Wrong". O artigo intitula-se "The goal of business is virtue, not profit" e a tese central é clara: a obsessão com o conceito de shareholder value e a maximização de lucros distorceu a natureza das empresas modernas e acabou por prejudicar não só a sociedade mas também os próprios accionistas.
Kay mostra, com a clareza que lhe é habitual, que a insistência em maximizar lucros não beneficia, em última análise, quem supostamente deveria beneficiar:
“The last people to benefit from the pursuit of ‘shareholder value’ are shareholders.”
Ao focar-se no lucro imediato, desencadeiam-se comportamentos desviantes que acabam por gerar desconfiança pública e queda das empresas:
“Yet a turn to focus on maximising profits at all costs, and the misbehaviour that predictably follows from that, brings a fall, and explains why the public came to mistrust big business.”
Além disso, a própria ideia de que os accionistas controlam efectivamente as empresas é ilusória. As grandes corporações estão envolvidas em teias complexas de relações contratuais, financeiras e regulatórias que tornam o exercício real de propriedade extremamente difícil:
“…figuring out who really ‘owns’ modern corporations… is no easy matter… actually exercising the rights of ownership and control is far easier said than done.”
Os exemplos abundam. Empresas outrora ícones de excelência, como a Boeing, a General Electric ou a Bear Stearns, colapsaram precisamente quando passaram a subordinar a sua cultura e a sua estratégia ao dogma do lucro imediato:
“Boeing was a world-leading engineering firm… until a change in the culture led to a focus on profit. The end result was aeroplanes falling from the sky.”
“General Electric was for much of the 20th century regarded as the best-run company in the US. A ruthless turn to focus on ‘shareholder value’… led in the end to the collapse of the firm.”
Em contrapartida, Kay sublinha que o verdadeiro motor do sucesso empresarial não está apenas no capital acumulado ou nos activos detidos, mas na capacidade de mobilizar talento, inteligência colectiva e relações duradouras. O que distingue as empresas bem-sucedidas é a sua aptidão para transformar competências individuais em capacidades únicas que criam valor e são difíceis de replicar:
“The hallmark of a successful business today is ‘harnessing collective intelligence that isn’t common property’.”
O sucesso empresarial, portanto, não nasce de transacções meramente instrumentais, mas da construção de relações de confiança inseridas num contexto social mais vasto:
“…successful commercial relationships are not simply instrumental and transactional, they are ‘social and embedded in a wider framework of communities and teams’.”
A lógica é simples e, diria eu, profundamente oblíqua: sirvam-se bem os clientes, criem-se relações de confiança e de longo prazo, e o lucro virá como consequência natural. É um erro inverter a ordem:
“Serve your customers well and the profits will follow… It rarely works the other way around.”
Em suma, o pensamento de John Kay sobre obliquidade aplica-se aqui de forma exemplar. O lucro não é um objectivo directo. É um resultado, uma consequência. A obsessão em persegui-lo frontalmente destrói empresas, distorce mercados e mina a confiança social. Já o foco em clientes, em relações e em inteligência colectiva cria as condições para que o lucro surja de forma sustentável e duradoura.
%2018.00.jpeg)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Pode assinar a nossa newsletter em http://eepurl.com/bJyfUr