Recordo o que sugeri sobre o Chile aqui.
Três artigos e um tema em comum:
- No NYT de 20 de Outubro passado - How Chile Embodies A.I.'s No-Win Politics.
- No FT de 1 de Dezembro passado - Pockets of resistance to data centres grow across US (complementado por "The Data Center Resistance Has Arrived")
- No Público de 1 de Dezembro passado - Mega-projectos para Sines precisam de "muita energia, muita água e muitas pessoas" (sempre imaginei que a água para arrefecer o Data Center viria do Atlântico, mas depois de ler o artigo fiquei com dúvidas)
A promessa económica chega sempre antes da conta ambiental
Chile:
No Chile, o artigo do NYT descreve a enorme pressão sobre a água e a energia, especialmente em Santiago e nas zonas áridas do país. A Google consome volumes de água equivalentes ao consumo de milhares de famílias, e novos projectos implicariam retirar 228 litros por segundo numa zona semidesértica. Isto gera contestação social, protestos e pressão política.
EUA:
O FT mostra exactamente o mesmo: aumento de consumo energético, pressão na rede, necessidade de upgrades pagos pelos contribuintes e receio quanto ao preço da electricidade.
Sines:
Em Sines vê-se o mesmo padrão:
- enorme consumo de energia
- enorme consumo de água
- necessidade de reforçar infra-estruturas públicas
- impacto em habitação, mobilidade, serviços públicos, saúde e escolas
A diferença?
Em Portugal, o debate começou depois dos compromissos assumidos e da obra iniciada. O presidente da câmara de Sines parece o bastonário da ordem dos médicos, agem como os últimos a saber, quando são os que têm a obrigação maior de pensar para lá do que se vai jantar logo à noite.
As populações descobrem tarde, e sentem que lhes esconderam dados cruciais
Chile:
As populações dizem que “não sabiam que um data center consome tanta água” até verem o estado dos terrenos e as fichas ambientais. Há sensação de opacidade.
EUA:
Nos condados da Geórgia, o FT relata salas cheias de cidadãos surpreendidos pelo impacto real — custos de upgrades da rede, possível aumento das tarifas e impacto no solo. O artigo refere que há mais de 20 anos que os democratas não ganhavam lugares a nível estadual. Pelo menos 2 foram eleitos com base na oposição ao status quo. É como ir a um jantar, a maioria dos convidados é abstémio, mas depois, como a conta é a dividir por todos, têm de pagar os vinhos e os digestivos premium com que que uns free-riders se lambuzaram.
Sines:
No Público, a narrativa é idêntica:
- só agora se percebe que é necessária água em volumes colossais
- só agora se discute habitação para milhares de novos trabalhadores
- só agora se reconhece pressão sobre escolas, saúde, estradas, ambiente
- As consequências aparecem depois. A contestação nasce do atraso na verdade.
Governação reactiva: só se gere depois de acontecer
Este é talvez o padrão mais universal dos três textos.
- No Chile, só após os protestos surgiu a proposta de realocar os data centers para o norte.
- Nos EUA, só após as queixas sobre as tarifas a regulação passou a questionar o modelo.
- Em Sines, só agora, quando as obras avançam, se reconhece a magnitude dos impactes ambientais, habitacionais e sociais.
Ou seja:
Os governos atraem o investimento primeiro e fazem as perguntas difíceis depois.
O desafio para Sines é o mesmo do Chile e dos EUA: como acolher o futuro sem destruir as condições que o tornam possível.
Isso só se resolve com:
- planeamento antecipado
- diálogo honesto
- limites ecológicos claros
- contrapartidas reais, e
- governação com olhos a 20 anos e não a dois
BTW, se a esquerda clássica não andasse tão preocupada com as questões identitárias, talvez tivesse muito mais sucesso; capital de protesto não falta.
BTW, no caso de Sines até me faz lembrar Bent Flyvbjerg:
"The commitment fallacy (If you want to win a contract or get a project approved, superficial planning is handy because it glosses over major challenges, which keeps the estimated cost and time down, which wins contracts and gets projects approved. But as certain as the law of gravity, challenges ignored during planning will eventually boomerang back as delays and cost overruns during delivery. By then the project will be too far along to turn back)"
%2014.42.jpeg)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Pode assinar a nossa newsletter em http://eepurl.com/bJyfUr