segunda-feira, novembro 03, 2025

Curiosidade do dia

Muito interessante a evolução da produtividade na região de Lisboa entre 2012 e 2022 (durante a última década, Lisboa registou um aumento do emprego em serviços pessoais, restauração, turismo urbano e plataformas logísticas, todos de baixa produtividade média):

O Centro surpreende-me positivamente.



Fonte aqui.





Governos e ausência de estratégia (aka clichés)


O The Times de ontem traz um interessante texto de opinião assinado por Daniel Susskind, "My radical budget to get Britain growing: first, end the triple lock".

É uma reflexão sobre o que o Partido Trabalhista britânico, agora no governo, deve fazer no seu próximo orçamento para tirar o Reino Unido da estagnação económica. O autor argumenta que o governo de Keir Starmer precisa de enfrentar escolhas difíceis: se quer crescimento, terá de abandonar políticas que travam a produtividade e aceitar que a prosperidade futura exige reformas dolorosas no Estado social, no sistema fiscal e nas prioridades de despesa.

E depois, aborda um tema que me é muito querido e que o teste de reversão de Roger Martin ajuda a desmascarar: o uso de estratégias da treta, ao optar por aquilo que chamo de catequese, ao tentar conciliar objectivos incompatíveis: crescimento, transição energética, protecção social e disciplina orçamental. 

O autor defende que é tempo de priorizar o crescimento, mesmo que isso implique decisões impopulares. Se o governo não o fizer, o país continuará preso à estagnação e ao declínio. Como não recordar Joaquim Aguiar e as suas críticas à distribuição sem olhar para a criação de riqueza.
"Joaquim Aguiar costuma escrever que não se pode seguir em frente sem primeiro reconhecer os erros do passado. Por isso, ele usa a metáfora das rotundas. O país está numa rotunda há mais de 20 anos, focado na distribuição de riqueza que é gerada por outros povos e que se transforma em dívida para as gerações de escravos no futuro."

Vamos ao texto de Susskind:

""Growth," declared Keir Starmer at the start of 2024, "is the lever that I intend to pull." The trouble with that line is that it makes the task at hand seem too easy. A far better metaphor is a wheel, not a lever. This captures the real, more difficult, choice: whether to steer the economy towards more growth but, at the same time, to accept that also means turning away from other things Labour believes are important.

Until now, the government has been unwilling to make that trade-off. That is what must change in this budget if stagnation is to end. [Moi ici: O governo precisa de fazer escolhas reais, não apenas ajustes técnicos. Governar não é puxar uma alavanca fácil, mas escolher uma direcção, e aceitar os sacrifícios que ela implica. Starmer evita decisões difíceis.]

Labour is introducing new workers' rights that will cost businesses £5 billion a year according to the government's own analysis. But if this budget is serious about growth at all costs, it would delay these reforms - not because they don't matter, but because ending stagnation matters more.

Labour is pursuing a net-zero agenda that is driving up energy bills, decimating traditional industries and will cost the economy a fortune. But this budget should dilute these ambitions not because the climate is unimportant, but because this price is too high given the economic calamity unfolding.

Labour is protecting the pension triple lock, [Moi ici: Esta cena do "triple lock" consegue ser pior do que qualquer coisa feita em Portugal sobre o tema nos últimos 40 anos] which the Office for Budget Responsibility expects to cost £15.5 billion a year by 2030. But if growth is the main goal, Labour would scrap this and use the savings to, for instance, fund tax cuts for small and medium-sized businesses and entrepreneurs - not because the triple lock isn't nice, but because this money could be used in pursuit of prosperity. Labour is failing to reform a welfare system that keeps 25 per cent of working-age people in big cities such as Birmingham, Liverpool and Blackpool on out-of-work benefits. With growth the priority, this system should be overhauled - not to save money, but because it is inefficient to condemn millions of people, full of new ideas, to worklessness.

Labour will not consider a customs union with our biggest trading partner, the EU, despite the fact that Reeves is likely to blame Brexit for the state of Britain. But if growth really is the be all and end all, then this is the moment to set out the intention to revisit that relationship. Putting the British economy first demands it. [Moi ici: Estes 4 exemplos ilustram a incapacidade de fazer trade-offs. Por isso estas políticas actuais contradizem o objectivo de crescimento]

...

This is the challenge that sits at the heart of Britain: a tension between what the economy needs and what Labour allows.

...

The budget must make clear that Labour's titanic ambitions for the state are no longer compatible with how poor we have become.

...

Finally, the budget must be blunt that this is the end of the road. If Labour does not prioritise growth, if it is unwilling to give up other things that it values in its pursuit, then it is likely to end up with little at all.

My fear is that only an external crisis will force Labour to seriously change direction. My hope is that an internal crisis will happen within Labour before that. [Moi ici: Não acredito, os deputados têm ainda mais medo que o medroso Starmer]"

Vamos ao teste de Roger Martin. Em vários pontos o governo tenta evitar escolhas entre opções plausíveis:

  • Crescimento vs. preservar todos os benefícios actuais. O inverso ("crescer e rever benefícios") é plausível → requer escolha; ao evitá-la, não há estratégia. 
  • Crescimento vs. ritmo/desenho do net-zero. O inverso ("ajustar o net-zero para priorizar o crescimento no curto prazo") é plausível → requer escolha; ao evitá-la, não há estratégia.
  • Crescimento vs. manter o triple lock. O inverso ("rever o triple lock para libertar investimento") é plausível → requer escolha; ao evitá-la, não há estratégia.
  • Estabilidade pós-Brexit vs. reaproximação económica à UE. O inverso ("revisitar a relação com a UE") é plausível → requer escolha; ao evitá-la, não há estratégia.
Se o inverso de uma afirmação é absurdo, não estamos perante uma estratégia — temos uma banalidade, um cliché, enfim treta. Estratégia implica escolher entre opções válidas; o inverso pode fazer sentido para alguém noutro contexto.

domingo, novembro 02, 2025

Curiosidade do dia


Recordar esta outra "Curiosidade do dia".

"The men were dressed as construction workers in high-visibility vests. Few seemed to notice as they quickly walked toward a building and forced their way inside.
Then they were gone, zipping through the city with millions of dollars in stolen jewelry and other treasures.
It didn't happen in Paris. It happened in suburban Queens.
Just three days before burglars in neon safety vests broke through a second-floor window of the Louvre and absconded with roughly $102 million worth of jewelry, a band of burglars in similar disguises staged a miniature version of the heist in the Jamaica Hills neighborhood."

Trecho retirado de "Burglars Disguised as Construction Workers. Millions in Jewels Taken. In Queens." publicado no NYT de 31.10.



A melhoria não é o problema: o que falta à ISO 9001 (parte II)

Parte I gerou uma troca de ideias. Um leitor comentou, com razão, que, pelo que eu escrevia, parecia decorrer que os auditores deveriam ter formação em gestão de empresas para compreender a estratégia e os projectos de melhoria.


É um ponto interessante, mas não creio que seja assim. Essa formação extra não faria mal, é certo, mas o papel do auditor não é avaliar se a estratégia é boa ou má. O apetite pelo risco e as escolhas estratégicas pertencem à gestão. O papel do auditor é outro: avaliar se a política da qualidade está alinhada com a orientação estratégica da organização, se os objectivos traduzem essa política e se os projectos de melhoria fazem sentido para alcançá-los.

O papel do auditor é verificar a coerência, não julgar escolhas.
O auditor não é um consultor nem um gestor-sombra. O seu trabalho não é discutir se a organização devia apostar noutro mercado ou adoptar outro posicionamento.

O seu papel é confirmar se o sistema de gestão tem lógica interna:
  • Se a política expressa uma direcção clara e coerente com o que a empresa declara ser a sua orientação; 
  • Se os objectivos traduzem essa direcção em resultados concretos e mensuráveis; e
  • Se os projectos de melhoria estão efectivamente ligados a esses objectivos. (Já agora, não ajuda nada que a ISO 9001 não considere obrigatório ter estes planos por escrito)
Quando o auditor avalia esta coerência, está a cumprir a função mais nobre da auditoria: verificar se a organização faz o que diz e se o que diz faz sentido à luz do seu rumo.

Uma ferramenta simples ajuda muito nesta tarefa: o teste de reversão de Roger Martin.
A ideia é esta — uma boa política implica uma escolha. E toda a escolha implica um “não”.
O auditor pode testá-lo perguntando: “O inverso desta política também poderia ser verdade?”
Se sim, há uma escolha real. 
Se não, a política é genérica e não orienta nada.

Durante a auditoria, em vez de pedir apenas o texto da política, o auditor pode seguir três perguntas simples:
  1. A política identifica uma direcção concreta? (ou é uma lista de boas intenções?) 
  2. Os objectivos derivam dessa direcção? (ou foram definidos porque "a norma pede"?) 
  3. Os projectos de melhoria ajudam a atingir esses objectivos? (ou são acções dispersas?)
A auditoria da qualidade não deve avaliar se a estratégia é acertada, mas sim se o sistema a traduz com coerência. O auditor é, antes de tudo, o guardião dessa coerência interna entre propósito, objectivos e melhoria. Quando cumpre bem esse papel, a auditoria deixa de ser um ritual de conformidade e transforma-se num exercício de inteligência organizacional.

sábado, novembro 01, 2025

Curiosidade do dia


Na revista The Economist desta semana em "Time-warp" reporta-se acerca das eleições no estado mais pobre da Índia, Bihar.

O rendimento médio anual é um terço da média nacional. Em média, ganha-se o equivalente a 800$ por ano. 

Politicamente, o estado é governado por uma coligação liderada por Nitish Kumar, cuja popularidade baseia-se em programas sociais — como bicicletas gratuitas para raparigas e subsídios a mulheres empreendedoras. Por momentos, pensei numa coligação Moedas-Leitão-Ferreira. Contudo, o principal problema continua a ser o desemprego, com apenas um terço dos jovens a participar na força de trabalho. A oposição, em vez de propor soluções estruturais, promete criar milhões de empregos públicos, reforçando o ciclo vicioso de dependência e de clientelismo político.

O texto termina lamentando que os políticos prefiram disputar fatias de um bolo pequeno em vez de procurar formas de o tornar maior — ou seja, de gerar verdadeiro crescimento económico.

"The single biggest complaint is the lack of decent jobs. Workers from Bihar can be found on factory floors across India. But their own state hosts a mere 1% of the country's factories. Around half of Bihar's workforce toils on farms that are less productive than elsewhere in India. Many young Biharis have given up looking for work. Only about one-third of 15-to-29year-olds are in the labour force, among the lowest rates in the country.

The opposition is making hay from these problems. But its solution is exasperating: to promise more government posts. Tejashwi Yadav, 35, is Mr Kumar's main rival. His party says that within 20 months of taking office, it will deliver enough government jobs to guarantee at least one per family. That could require creating over a million new posts a month.
This pledge sounds fantastical, but it has wide appeal. India's cities celebrate techies and people who have gone to business school; in Bihar status, financial stability and money for things such as dowries come from entering the bureaucracy. Women prefer men with government jobs, sighs a student outside a coaching centre in Sasaram district, where he is preparing for the civil-service entrance exams.
...
Growth would transform lives in Bihar, more than anywhere else in India. If only politicians would spend more time debating how to make the pie bigger-and less time fighting over how to slice it up."
É curioso e triste ver como o contágio destas políticas clientelares não conhece fronteiras. Também por cá, os partidos parecem ter descoberto que é mais fácil prometer subsídios, isenções e perdões do que falar de produtividade, investimento e valor acrescentado. Em vez de desenharem um país capaz de “fazer o bolo crescer”, disputam migalhas — quem oferece o passe mais barato, o cheque mais gordo, o perdão mais oportuno. No fundo, a democracia corre o risco de se tornar uma feira de benesses, em que o eleitor é tratado como cliente, e não como cidadão.

A melhoria não é o problema: o que falta à ISO 9001


Christopher Paris escreveu recentemente que a introdução do conceito de "improvement" na ISO 9001:2000 ajudou a estragar a norma, em "Why the Addition of "Improvement" Helped Ruin ISO 9001". 


A sua tese é simples: até então, a ISO 9001 servia para conferir confiança aos clientes de que os fornecedores conseguiam cumprir consistentemente os requisitos. Ao introduzir a melhoria contínua, os autores criaram algo difícil de auditar, subjectivo, que retirou clareza e desviou a norma do seu propósito inicial.

Concordo que a norma perdeu clareza, mas não acredito que o problema esteja na ideia de melhoria. O problema está noutro ponto: o mundo mudou e a excelência operacional deixou de ser suficiente para garantir o sucesso do negócio. A norma não tem sabido salientar este ponto com a devida ênfase, e isso percebe-se muito bem na forma como a política da qualidade é escrita, comunicada e frequentemente auditada, como um texto genérico, desligado da verdadeira orientação estratégica da organização.

Nos anos 80 e 90, falar de qualidade era falar de Garantia da Qualidade. O foco estava em garantir, objectivamente, que o fornecedor produzia peças conformes. O jogo competitivo era claro: reduzir defeitos, aumentar eficiência, controlar custos. Num mundo em que a excelência operacional fazia a diferença, a certificação ISO 9001 era uma poderosa credencial.

Com a ISO 9001:2000, o conceito evoluiu para o de Gestão da Qualidade. A definição de sistema de gestão é explícita: trata-se de “estabelecer políticas e objectivos e trabalhar para alcançar esses objectivos”. Isto deslocou o foco do presente (o produto ou serviço está OK) para o futuro — a organização deve gerir-se como um sistema, considerar o contexto, antecipar riscos e planear mudanças.

Convém também recordar a origem da ISO 9001. A norma foi criada não para auditorias de terceira parte, mas para que os clientes pudessem auditar os seus fornecedores e, dessa forma, assegurar-se da conformidade dos produtos adquiridos. A certificação por entidades independentes só se generalizou mais tarde. Essa génese explica muito do seu desenho inicial: verificar se o fornecedor era capaz de atender aos requisitos do cliente, ponto final. O foco era o controlo, não a estratégia.

Essa herança ainda hoje se sente. Veja-se a cláusula 8.2, que trata da determinação de requisitos relativos a produtos e serviços. O texto é praticamente mudo sobre algo decisivo numa lógica de gestão: a necessidade de escolher clientes-alvo, de procurar e conquistar os clientes certos. A norma continua presa à ideia de “cumprir os requisitos do cliente”, como se todos os clientes fossem iguais e como se não houvesse escolhas estratégicas a fazer.

Já em 1996, Michael Porter alertava para o perigo de confundir a eficiência operacional com a estratégia. Os japoneses tinham revolucionado a gestão com qualidade total, kaizen e normalização, mas ao competir todos com os mesmos métodos, ficaram presos numa “armadilha de eficiência” — todos iguais, todos competindo pelo preço.

Nos meus textos sobre a “cristalização” e a mudança de paradigma que levou ao fim da minha marca Redsigma, desenvolvi esta ideia: houve uma altura em que reduzir a variabilidade e apostar na normalização bastava para diferenciar. Mas isso esgotou-se. Quando o mundo foi invadido por produtos chineses a preços muito competitivos, a excelência operacional não foi suficiente para assegurar o sucesso do negócio. Agora, o sucesso não vem da uniformidade, mas da capacidade de criar variedade, diferenciação e valor.

É aqui que a ISO 9001 falha em ser explícita. Ao falar da política da qualidade, dos objectivos e da melhoria, a norma não sublinha suficientemente que a qualidade deve ser entendida como criação de valor no futuro, e não apenas como garantia de eficiência no presente.

Na prática, isto traduz-se em políticas de qualidade redigidas de forma genérica, que não expressam escolhas estratégicas, e em auditorias que verificam a conformidade documental, mas não questionam se a política realmente orienta a organização para o futuro.

O que está em causa não é retirar o conceito de melhoria da norma. Pelo contrário: a melhoria é essencial, mas deve ser entendida como a ponte entre a eficiência operacional e a diferenciação estratégica.

A norma deveria reforçar que:
  • A Garantia da Qualidade continua a ser necessária — garantir os requisitos vigentes é a base.
  • A Gestão da Qualidade só tem sentido se for usada para preparar a organização para o futuro — ligar o contexto, os riscos, as oportunidades e as escolhas estratégicas.
  • A política da qualidade deve deixar de ser uma formalidade e passar a ser a tradução clara da direcção da empresa, onde se vê como pretende criar valor e diferenciar-se.
A ISO 9001 não se perdeu por ter introduzido a melhoria. Perdeu relevância porque não tem sabido ligar-se de forma clara à realidade de que a excelência operacional, por si só, já não garante sucesso. O desafio hoje não é apenas fazer bem o que todos fazem, mas escolher onde ser diferente, onde criar valor, onde apostar recursos.

Uma boa norma de gestão da qualidade deve ajudar as organizações a percorrer esse caminho. Se não o fizer, ficará condenada a um papel cada vez mais burocrático, longe das decisões que realmente definem o futuro das empresas.

Uma das razões para recentemente ter lançado este curso Turn Your Quality Policy Into a Strategic Compass.

sexta-feira, outubro 31, 2025

Curiosidade do dia

Mão amiga mandou-me isto há dias:



Para reflexão.




Estratégia trocada em miúdos


O conceito de estratégia numa linguagem comum.

No artigo que escrevi (Parte XII) (original de 2015 aqui), tentei mostrar a importância de distinguir quais os processos que merecem excelência e quais os que apenas precisam de fiabilidade. Usei a metáfora do decatlonista: um atleta completo, capaz de competir com outros generalistas, mas que perde inevitavelmente quando enfrenta especialistas — os chamados salami slicers. O mesmo acontece com empresas que tentam ser boas em tudo sem decidir onde realmente têm de brilhar.

É nesse ponto que as palavras de Joe Rogan ressoam. Ele explica que não é possível ser o melhor em todas as frentes ao mesmo tempo. Para alcançar o topo, é preciso aceitar limites, escolher onde colocar foco e energia e reconhecer que esse foco transforma não só o desempenho, mas também a forma como nos relacionamos com os outros e com o mundo.


A estratégia, como Michael Porter nos recorda, é sobre escolhas e compromissos.
  • Não se pode ser o melhor em tudo.
  • Hiperfocar numa área acarreta custos noutras.
  • A arte está em decidir conscientemente: o que priorizar e o que deixar para trás?
Para as empresas — e também para as pessoas — o mesmo princípio aplica-se. O sucesso não vem de
fazer mais, mas de escolher deliberadamente onde se quer ser excelente e aceitar os sacrifícios que
acompanham essa escolha.

Onde é que a sua empresa escolheu ser excelente — e o que decidiu não seguir? 

quinta-feira, outubro 30, 2025

Curiosidade do dia

É impressionante como, em praticamente toda a Europa, os governos continuam a gastar energia e recursos para defender o passado, em vez de abraçar o futuro. Seja nos media tradicionais, seja na indústria automóvel, as políticas parecem sempre desenhadas para prolongar modelos já ultrapassados. Depois, admiram-se com a baixa produtividade e com o atraso crescente face aos Estados Unidos. 

Enquanto uns se dedicam a proteger estruturas que já não se sustentam, outros apostam em inovação, novas tecnologias e na criação de valor. O resultado está à vista. 


Quando se está num buraco, a primeira coisa a fazer é deixar de cavar.


Uma advertência

Nos primeiros anos da década de 90 a revista The Economist publicou um artigo, que tenho algures guardado, com uma tabela que ilustrava a competição interna, doméstica, no Japão dessa altura. Uma concorrência impiedosa. Os números impressionavam. Por exemplo, mais de 20 marcas diferentes a produzir pneus e a concorrer entre si de forma impiedosa.

Em Julho recordei um texto de Porter de 1996 sobre as empresas japonesas e a brutal competição entre elas. Agora já quase não se fala nessa palavra, mas era o tempo dos keiretsu que forneciam apoio financeiro e partilha de cadeias de distribuição.

Entretanto, nos últimos tempos uma palavra tem aparecido muito nos jornais internacionais, "involution".

Por exemplo, no WSJ de 20 de Outubro, "China Grapples With 'Involution' Choking Economy".
 
O artigo descreve como a economia chinesa enfrenta um problema profundo identificado como “involution” – uma espiral de competição interna tão intensa que destrói lucros, pressiona trabalhadores, gera deflação e ameaça o crescimento económico sustentável. O excesso de produção e a falta de procura conduzem a guerras de preços e a queda das margens. Apesar dos avanços tecnológicos e da aposta em indústrias do futuro, a China vê-se presa a um ciclo de sobrecapacidade, exportações agressivas e fragilidade do consumo interno, num contexto de crescimento lento e desemprego crescente.

No FT do passado dia 24 de Outubro, "For China, involution' is a blessing as well as a curse". Que pode ser resumido desta forma:
  • O sistema político chinês recompensa líderes regionais pela industrialização e pelo crescimento económico. -> 
  • Isto cria uma competição feroz entre as províncias para lançar novos projectos industriais. ->
  • Cada região tenta superar as demais em investimento, produção e inovação. Resultado: investimentos duplicados em sectores “da moda” (IA, semicondutores, veículos elétricos, painéis solares). ->
  • Consequências imediatas da involution - Sobrecapacidade industrial -> fábricas subutilizadas, excesso de produção. -> Queda de margens -> empresas vendem a preços muito baixos para sobreviver. -> Preços caem pela saturação da oferta. -> Desperdício de recursos -> investimentos redundantes e não produtivos.
  • Efeitos positivos inesperados (“bênção”). A mesma dinâmica cria campeões nacionais altamente competitivos. Empresas aprendem a escalar rapidamente, a cortar custos e a sobreviver com margens mínimas. Estas empresas tornam-se superprodutivas e agressivas nos mercados globais.
  • Efeitos negativos internos (“maldição”). A economia doméstica fica presa a ciclos de excesso de capacidade e de margens apertadas. A instabilidade económica cresce, pois muitos investimentos não geram retornos sustentáveis.
Resultado dual
  • Para dentro da China: desperdício, excesso, pressão deflacionária.
  • Para fora: supremacia em sectores estratégicos (painéis solares, baterias, veículos elétricos, semicondutores, etc.), o que transforma o glut interno em poder global.
No NYT do passado dia 24 de Setembro, "A downside to China's economic fix":
"Competition in China is often far more cutthroat than in the United States. America has a handful of carmakers; China has more than 100 electric vehicle makers struggling for market share. China has so many solar panel makers that they produce 50 percent more than global demand. About 100 Chinese lithium battery producers churn out 25 percent more batteries than anyone wants to buy.
This forces Chinese manufacturers to innovate, but it also leads to price wars, losses and bad debt — and that's becoming a problem.
China is heading toward deflation, the often catastrophic downward spiral of prices that sank Japan in the 1990s. Its leaders are blaming a culprit they call "involution", a term that has come to mean reckless domestic competition. They want to rein it in by browbeating companies into keeping prices steady and instructing local governments to scale back subsidies. It won't work. At best, those are temporary fixes for China's more fundamental problem. Its economy relies so heavily on investment for growth, rather than consumer spending, that it produces enormous surpluses that wreck profits at home and provoke trade wars abroad."
Há um termo que costumo usar aqui no blogue, "crescimento canceroso" (BTW, uma terminologia que vai ser proíbida na doente Espanha). 

No fundo, a involution é um espelho que a China nos mostra hoje. É uma advertência sobre os riscos de um crescimento baseado apenas na capacidade de produzir mais. A alternativa não está em produzir menos, mas em produzir melhor: criar valor reconhecido pelos clientes, investir em inovação significativa e a cultivar mercados que premeiem a qualidade. Essa é a diferença entre ser arrastado pela espiral da competição interna ou subir na escala do valor — e transformar excesso em verdadeira prosperidade. 



quarta-feira, outubro 29, 2025

Curiosidade do dia



Os anúncios nos jornais internacionais sobre despedimentos aqui e acolá vão se acumulando e tornando mais frequentes do que os relatos nacionais de mortes em acidentes com tractores.

Entretanto, hoje descobri:



A campanha provocou forte reacção pública e mediática: desde a indignação de sindicatos, fóruns de design e redes sociais, até críticas de que a mensagem denota desprezo pelos trabalhadores humanos. 

A mim fez-me recordar aquela frase: "O futuro já cá está, embora esteja irregularmente distribuído."

Pode ser muito mais do que treta

A propósito de "Bosch avança com lay-off na fábrica de Braga após centenas de despedimentos"

"Estrangulada por falta de chips, a fábrica da Bosch de Braga, a maior do país do grupo alemão, vai avançar para lay-off na próxima semana, mandando para casa a maioria dos cerca de 3.300 trabalhadores, avança o Negócios."

Muitas vezes ouço dizer que a análise de contexto e a análise de riscos organizacionais, exigidas pela ISO 9001, são pura burocracia. Um exercício formal, sem utilidade prática. Mas basta abrir os jornais para perceber como estas ferramentas podem ser vitais para a sobrevivência de uma empresa.

Veja-se este exemplo da Bosch em Braga.

A fábrica, por falta de chips, avança para o lay-off da maioria dos seus 3.300 trabalhadores. A produção fica parada por tempo indeterminado.

A origem do problema não está na fábrica de Braga, nem nos trabalhadores, nem nos processos internos. Está fora: uma crise geopolítica envolvendo a Nexperia, fornecedora de semicondutores. O governo holandês interveio na empresa por questões de propriedade intelectual; o governo chinês respondeu com restrições à exportação. Resultado: chips bloqueados, cadeias de fornecimento estranguladas e a Bosch em Braga parada.

Ora, é exactamente aqui que entram as cláusulas da ISO 9001 que muitos consideram “treta”:

  • Análise de contexto (cláusulas 4.1 e 4.2): uma organização deve identificar factores externos que podem influenciar a sua capacidade de cumprir os objectivos. Neste caso, a dependência de fornecedores críticos de chips, localizados em regiões vulneráveis a tensões políticas, seria um factor de peso.
  • Análise de riscos e oportunidades (cláusula 6.1): a empresa deveria avaliar a probabilidade de interrupção no fornecimento de semicondutores e o impacto devastador que tal interrupção teria na produção. Isto obrigaria a pensar em medidas: diversificação de fornecedores, contratos alternativos, stocks de segurança, planos de contingência para suspender e retomar a produção.
  • Objectivos da qualidade (cláusula 6.2): não faz sentido definir metas de entrega e produtividade desligadas da realidade externa. Se não se consideram os riscos da cadeia de abastecimento, os objectivos ficam sempre em risco de não serem cumpridos.

Este exemplo mostra que a ISO 9001 não se resume a garantir produtos conformes. Ela obriga as organizações a olhar para fora, a ler os sinais do contexto e a antecipar riscos.

No fundo, é uma questão de resiliência. Quem encara a ISO 9001 como burocracia perde a oportunidade de usá-la como radar e bússola. Quem a leva a sério tem mais hipóteses de resistir a choques, proteger empregos e garantir futuro.

A qualidade não está apenas no produto que sai da linha. Está também na capacidade de uma organização se preparar para o inesperado. 

Quer evitar que a sua empresa seja apanhada de surpresa por factores externos como os que afectaram a Bosch em Braga?

Posso ajudar a sua organização a fazer uma análise estruturada de contexto e de riscos, transformando o que parece ser apenas burocracia da ISO 9001 numa ferramenta prática de resiliência e tomada de decisão.

Se a sua empresa precisa de alinhar objectivos com a realidade do mercado, antecipar riscos críticos e preparar-se para o inesperado, fale comigo. Não sou bruxo, mas ando nisto há muitos anos e este blogue é a evidência do que faço e analiso.

terça-feira, outubro 28, 2025

Curiosidade do dia

Numa época de Big Brothers, de câmaras de vigilância em todo o lado, onde nos podemos esconder, como podemos passar incógnitos? 

Só mesmo à vista de todos. Brilhante!!!

Foi o que retirei de "At Louvre, Neon Safety Vests Made Thieves All But Invisible" publicado no NYT de passado dia 24 de Outubro:
"When clothing manufacturers first made high-visibility jackets, the purpose was to make the laborers who wore them as visible as possible. But brightly colored safety clothes are now so ubiquitous that they often have the opposite effect so that the wearer blends in, even as the bold colors catch the eye.

That can make safety gear a key part of the criminal's toolkit. On Sunday, when thieves broke into the Louvre Museum in Paris and stole $102 million worth of jewelry, two of them wore neon-colored safety vests. 
...
Experts say the neon items help criminals operate in plain sight.

"High-vis clothing carries a strange paradox," said Caroline Stevenson, the program director of cultural and historical studies at the London College of Fashion. "It's meant to make the wearable visible in industrial or hazardous spaces, yet often it renders the wearer socially invisible," she said.
...
If you are dressed as "a police officer, construction worker or maybe a priest," Brand said, "people think you're fine."
Craig Jackson, a professor of occupational health psychology at Birmingham City University in England, said that high-visibility safety jackets had become such a ubiquitous symbol of authority - like a clipboard or a reporter's microphone — that they were like "a cloak of invisibility.""

 

TSMC Plans to Start Construction of 1.4nm Fab on November 5

Mão amiga mandou-me "TSMC to Begin Construction of 1.4nm Fab on November 5".

A TSMC vai iniciar a construção da sua fábrica de 1,4 nm em Taichung, Taiwan, no dia 5 de novembro de 2025. Este projeto envolve um investimento de cerca de 49 mil milhões de dólares e será um dos maiores da empresa até hoje. A fábrica deverá iniciar a produção em 2028, marcando a liderança da TSMC na corrida global pelos nós mais avançados da indústria de semicondutores, essenciais para aplicações como inteligência artificial, computação de alto desempenho e dispositivos móveis de última geração.

"The expansion takes place against the backdrop of intensified competitive pressure. Intel is advancing its 18A processes in Arizona, while Samsung is investing in High -NA EUV for its 2 nm line in South Korea. Additionally, NVIDIA and SoftBank have invested in Intel to accelerate its process development - a signal to the market that TSMC does not leave unanswered

With this move, TSMC pursues a clear strategy: to maintain its technological leadership in high-performance processors. Concentrating 1.4 nm production in Taiwan underscores its aim to combine production security and innovation dynamics at its home base. However, the international competition forces continuous adaptation-both technologically and geographically."

Imagino o impacte na produtividade agregada de Taiwan e nos salários. Recordo, "A dolorosa transição ao vivo e a cores".




segunda-feira, outubro 27, 2025

Curiosidade do dia


Era eu, miúdo, quando ouvi dizer que Calouste Gulbenkian ficou muito impressionado com o cuidado que então se tinha com monumentos e museus portugueses, como o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém e o Museu Nacional de Arte Antiga.

É estranho, mas foi dessa estória que me lembrei, com tristeza, depois de ler, "Pinhal passou a pomar e esgota recursos hídricos em zona protegida em Alcácer do Sal":
"Num território onde se instalam megaplantações de abacateiros, tangerineiras, hortícolas e frutos vermelhos em regime intensivo, as extracções de água no aquífero já terão excedido os recursos hídricos subterrâneos disponíveis. Mas a inevitável escassez que se tem feito sentir nos últimos anos não tem impedido que novas explorações que exigem elevados consumos de água continuem a proliferar na zona da bacia do Sado.
...
já se observa um fenómeno preocupante e irreversível do ponto de vista hidrogeológico: o abatimento dos terrenos onde estão implantados milhares de hectares de novas culturas em regime intensivo. A sua estrutura, por ser porosa, é comprimida quando a extracção de água é superior à recarga natural - assim, o armazenamento no aquífero "perde definitivamente capacidades de reserva" , explica o hidrogeólogo."

Quem cuida? Quem se preocupa com o património natural?

Privatizar lucros e externalizar custos geram uma "Tragedy of the Commons", recordo "Existem dragões, podem crer."

 

Jornais, quotidiano, estratégia e empresas

Outra notícia quotidiana de um jornal que vem recordar temas super-importantes para as empresas. No WSJ do passado Sábado 25 de Outubro, "P&G to Focus on Innovation, Not Discounts, to Fuel Growth."

O texto aborda a estratégia da Procter & Gamble (P&G) para impulsionar o crescimento. Em vez de recorrer a descontos agressivos, a empresa aposta em inovação de produto em várias categorias (detergentes, fraldas, produtos de cuidado pessoal). 

"Procter & Gamble reported higher first-quarter sales and said it was investing in product innovation instead of lowering prices to draw cautious consumers.

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P&G has released Tide's new Evo line of laundry detergent, which is designed to lead to category growth with renewed demand, and made improvements in Pampers diapers and Olay body washes."

A P&G registou um crescimento de vendas orgânicas de cerca de 2% no último trimestre, atribuído a preços mais elevados e a uma mistura de produtos mais favorável. 

"The company's product innovation has driven a 2% to 2.5% price increase across the company's entire portfolio.

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Schulten said organic sales grew 5% in Greater China, where the company has earlier used product innovation to combat a challenging consumer environment."

Apesar da concorrência recorrer a fortes promoções, a P&G prefere diferenciar-se através da inovação e da oferta de produtos premium, acreditando que isso assegura crescimento sustentável e fidelidade do consumidor. 

"Competitors that are offering aggressive promotions, particularly in the fabric and baby care markets.

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Some of the competitive response is increased promotion [Moi ici: Reduzir preços]. This plan takes longer. It's not as easy as throwing promotion funding out there.

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Overall, organic sales edged up 2% in the quarter due to higher pricing and a more favorable mix, with growth in the company's beauty, grooming and healthcare segments.

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Schulten said many consumers are trading up and its premium products have yielded much of the company's growth in some markets." [Moi ici: Interessante, as empresas que não inovam queixam-se que os clientes estão a optar por marcas brancas, pelo low-cost. Uma self-fulfilling prophecy]

Isto relaciona-se com 2 temas que costumamos abordar aqui:

  • A polarização dos mercados; e
  • O Evangelho do Valor.

O caso da P&G encaixa-se na tendência de polarização dos mercados. De um lado, marcas que apostam em preços baixos (low-cost) e fortes descontos. Do outro lado, empresas que investem em inovação, diferenciação e premium conseguem praticar preços mais altos porque oferecem algo que os consumidores valorizam. Recordar "Polarização do mercado ou como David e Golias podem co-existir"

A P&G segue precisamente a lógica de Marn e Rosiello, a lógica do Evangelho do Valor que descrevemos aqui "Aumentar preços (parte III)": não tenta competir apenas no preço, mas cria valor percebido superior (novos detergentes, fraldas, cosméticos premium) para poder aumentar preços sem perder clientes. A diferenciação é a chave para escapar da competição perfeita e sustentar margens. 

As PME portuguesas precisam tanto, mas tanto disto...

No Sábado no Twitter:


Muitas PME portuguesas não estão predispostas a investir em inovação e diferenciação. A razão não é apenas falta de visão ou falta de estratégia, mas sim a conjugação de factores estruturais: a autonomia financeira é reduzida, o acesso a capital de risco é escasso e o retorno dos investimentos em inovação é quase sempre de médio ou longo prazo (8 a 10 anos, 5 no mínimo). Numa realidade em que a tesouraria dita o dia a dia, a prioridade é a sobrevivência imediata, não a aposta em projectos cujo resultado só se verá anos mais tarde.

A esta limitação financeira soma-se uma barreira cultural: a desconfiança em relação aos académicos e às instituições de ensino superior. Muitos empresários não reconhecem valor no discurso científico, que lhes parece distante da realidade prática da empresa. Esta distância alimenta a ideia de que a colaboração é mais risco do que oportunidade, reforçando a preferência por estratégias defensivas assentes no preço mais baixo ou em redes de confiança já existentes.

Assim, compreende-se por que razão, apesar de concordarmos com a necessidade de maior proximidade entre universidades e empresas, uma percentagem razoável das PME "não está para aí virada". A aposta na diferenciação exige capital, paciência, abertura à colaboração e uma estratégia que passe por aí.

Também recordo casos de empresas com capital, com acesso a universidades e centros de investigação, que até fazem projectos em conjunto, por causa dos apoios comunitários. No entanto, nunca fazem nada com o resultado desses projectos porque a sua estratégia, de facto, é outra.

domingo, outubro 26, 2025

Curiosidade do dia

"On the right, meanwhile, President Trump's brand of protectionism mirrors Latin American trade policies When the White House imposes tariffs and vows to shield American industry from foreign competition, Brazilians must feel a sense of deja vu. This is the same "import substitution" strategy that Brazilian governments have embraced for the past 60 years in an attempt to build self-sufficiency. The result wasn't industrial strength but a flood of overpriced subpar goods, chronic inefficiency, and economic stagnation.

Even worse, protectionism fuels the rise of rent-seeking lobbies pushing for tariffs, subsidies and other favors. The more a sector struggles to compete, the louder it shouts for help. Instead of encouraging productivity and efficiency, [Moi ici: Muito bem, a apelar ao numerador e ao denominador. E mais, usam a palavra produtividade e não aquela palavra escorregadia e enganadora - competitividade] the system rewards political connections and lobbying prowess. The same pattern is emerging in the U.S., where entire industries lobby to be protected from tariffs, regulations and foreign rivals.

In this way, protectionism opens the door to another feature of Latin American politics, clientism. Politics revolves around powerful individuals, not parties or ideas. It's the land of peronismo, fujimorismo and varguismo-all movements defined solely by charismatic leaders."

Trecho retirado de "Trump and Mamdani Look Like Caudillos" no WSJ de 23.10 último.

Directo do PCF para a FN, ou da CDU para o Chega

Aqui:

Entretanto fui consultar as estatísticas do IEFP para o desemprego no sector da construção e ... o desemprego subiu de Agosto para Setembro.

Há anos que ouvimos que faltam trabalhadores. Por exemplo: 
Já escrevi sobre isto por causa das paletes:
Em economias capitalistas, a mão-de-obra deve ser entendida como um mercado em que se encontram a oferta — os trabalhadores — e a procura — as empresas. Dizer que “nunca falta mão-de-obra” significa reconhecer que há sempre pessoas capazes de trabalhar; o que sucede é que podem não estar dispostas a fazê-lo nas condições oferecidas, seja no salário, no horário, nos benefícios ou na dignidade do trabalho. 

O que, na realidade, “falta” é a capacidade das empresas oferecerem um preço ou condições que tornem o trabalho atractivo para essas pessoas.

Nos modelos clássicos do mercado de trabalho, o desemprego involuntário não existe: sempre que há procura, seria o ajustamento salarial a resolver a escassez. (Por isso escrevi, ingenuamente, que todos viriamos a ser Figos). Todavia, os salários não são infinitamente flexíveis por razões sociais, legais e políticas. Surge aqui o conceito de salário de reserva: cada trabalhador tem um nível mínimo abaixo do qual prefere não trabalhar. Quando o salário oferecido se situa abaixo desse patamar, a empresa interpreta o fenómeno como “falta de mão-de-obra”. 

A teoria marxista fala, neste contexto, em “exército industrial de reserva”, isto é, trabalhadores disponíveis que não aceitam — ou a quem não é oferecido — trabalho a qualquer preço. Por sua vez, a economia institucional e a comportamental acrescentam que não é apenas o preço que conta: pesam igualmente as condições de trabalho, a segurança, o estatuto social e as possibilidades de progressão. Por isso escrevi a série sobre a Matsukawa Rapyarn.

A evidência empírica confirma esta perspectiva. Nos sectores de baixos salários, como a agricultura, a hotelaria ou a restauração, é frequente ouvir-se que “falta mão-de-obra”. Porém, os estudos demonstram que a escassez é relativa: sempre que os salários e as condições melhoram, surgem candidatos. Também a migração laboral é reveladora: quando um país afirma “precisar de mão-de-obra”, o que frequentemente faz é importar trabalhadores estrangeiros dispostos a aceitar salários ou condições que os locais rejeitam. Isto reforça a ideia de que não se trata de uma falta absoluta, mas antes de uma questão relativa quanto ao preço oferecido. Um exemplo recente encontra-se nos Estados Unidos, no período pós-pandemia, em que muitos restaurantes e hotéis se queixavam da falta de trabalhadores. Pesquisas publicadas, por exemplo, na Harvard Business Review e no Brookings Institution mostraram que, ao aumentarem salários e oferecerem benefícios, essas empresas conseguiram contratar.

Em economias capitalistas, as “escassezes” de mão-de-obra são muitas vezes relativas e não absolutas. O que é percecionado como falta de trabalhadores resulta, em grande número de casos, da incapacidade ou da falta de vontade das empresas em oferecer salários e condições de trabalho que correspondam ao salário de reserva ou às expectativas dos trabalhadores.

E quando as empresas não conseguem oferecer salários e condições de trabalho que correspondam ao salário de reserva ou às expectativas dos trabalhadores isso é um sinal de que deviam morrer de morte natural, para que os recursos nelas enterrados fossem melhor aplicados para a sociedade em outros projectos. Os governos optam por mantê-las em coma, as zombies.


"a substantial part of shortage occupations are not particularly highly skilled, but rather consist of strenuous and low-paid work
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within the group of industries where high levels of shortage were reported in 2023, there is a clear pattern that shortages are higher where wages are relatively lower
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wages tend to increase as shortages rise
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shortages are aggravated by bad quality jobs and that raising job quality is a way to compete for labour"
"We find that individual wages increase faster in tight labour markets, confirming that firms have to pay more if they want to attract or retain workers.
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The effect of labour market tightness on wage growth is stronger at the bottom of the wage distribution, suggesting that low-wage workers gain relatively more from tight labour markets.
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Occupations in science, technology, engineering and mathematics (STEM) show particularly pronounced wage effects from tightness, whereas in regulated occupations such as health care, effects are much weaker.
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Labour market tightness translates into wage growth, indicating that shortages are not absolute but relative to the wage and working conditions firms are willing to offer."
"Labour shortages occur when demand for labour exceeds supply at prevailing wages and working conditions. They are not absolute scarcities of workers.
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Standard economic theory predicts that in such situations wages should rise, reducing shortages as more people are willing to work at the higher wage.
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Shortages often reflect poor job quality - low pay, limited career prospects, difficult working conditions - rather than a lack of available workers."

Em "When upskilling is good but not enough: Understanding labour shortages through a job-quality lens" (interessante aqui a ponte para o nosso SNS) pode ler-se:

"workers may be unwilling to enter or stay in due to poor job quality in terms of pay and non-pay aspects, including job insecurity, inflexible hours arrangements, strenuous working conditions, and physical and mental health risks.

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The sectors with the strongest shortages show stagnating or even declining real wages, discouraging potential applicants.

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These jobs are disproportionately filled by women and migrants, groups with less bargaining power and more often employed under precarious contracts."

Deste último artigo deixo para reflexão este parágrafo:

"Another driver, which is often overlooked, is the relatively low attractiveness of many of the jobs affected by high shortages (Causa et al. 2025). This pertains to poor job quality, in terms of pay and non-pay conditions, reducing individuals’ incentives to enter or stay in these jobs – especially contact-intensive jobs in areas such as health and personal care, hospitality, and transportation. Some of the occupations and sectors that exhibit shortages are characterised by stagnating real wages and poor job quality, high incidence of shift work and temporary contracts, and higher-than-average exposure to mental and physical risks. Such characteristics can deter workers from entering or remaining employed, especially in healthcare, transportation and storage, accommodation and food, and construction."

De "Labour shortages and labour market inequalities: evidence and policy implications" retiro só uma citação, para evitar continuar a repetir-me:

"What is often described as a lack of workers is, in reality, a lack of jobs that workers are willing to take at the wages and conditions offered."

Percebo cada vez melhor porque os operários e trabalhadores rurais saltaram directamente dos partidos de esquerda para o Chega ... quem os defende? 

E volto ao último texto que li na A4 antes do primeiro lockdown.

sábado, outubro 25, 2025

Curiosidade do dia

Mão amiga mandou-me este artigo "Carros chineses chegam à Europa em metade do tempo com ajuda da Rússia":

"A China está a explorar novas formas de exportar carros, componentes e outros bens para a Europa de forma mais rápida, com custos mais baixos e com menor volatilidade política. Está em marcha um plano ousado - e para já discreto - mas que já apresentou os primeiros resultados concretos.

Este mês chegou à Europa o cargueiro Istanbul Bridge, operado pela empresa chinesa Sea Legend. Transportava 4000 contentores (onde se incluem automóveis), da China para o Reino Unido. A novidade está no trajeto: através da Rota do Mar do Norte chegou à Europa em apenas 20 dias, metade do tempo de outras alternativas. E pode ter sido a primeira de muitas viagens.

Há quem já apelide este novo trajeto como a "nova Rota da Seda". É capaz de reduzir praticamente para metade o tempo das rotas tradicionais pelo Canal de Suez (40 dias) ou pelo Cabo da Boa Esperança (50 dias). "É algo que nunca vimos no Ártico até agora"

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Para tornar possível o tráfego nesta região, que pertence à Zona Económica Exclusiva (ZEE) da Rússia, a China está a recorrer à frota de navios quebra-gelo russos."


"Walmart Becomes a Case Study"

Antes de aparecer a ideia de mapa da estratégia, apareceu a ideia da "service profit chain". No livro, de 1997, logo nas páginas 11 e 12 pode ler-se:

"Simply stated, service profit chain thinking maintains that there are direct and strong relationships between profit; growth; customer loyalty; customer satisfaction; the value of goods and services delivered to customers; and employee capability, satisfaction, loyalty, and productivity. These relationships are shown in Figure 1-2. Notice that market share is not mentioned in these relationships. In few industries studied by Sasser and Reichheld was market share a more important predictor of profitability than customer loyalty. 

The strongest relationships suggested by the data collected in early tests of the service profit chain were those between: (1) profit and customer loyalty, (2) employee loyalty and customer loyalty, and (3) employee satisfaction and customer satisfaction. They suggested that in service settings, the relationships were self-reinforcing. That is, satisfied customers contributed to employee satisfaction, and vice versa." 

Entretanto, no WSJ do passado dia 18 de Outubro li "Walmart Becomes a Case Study":

"He crafted a plan to raise wages. He brought in a new crop of Walmart leaders, including new U.S. chief executive and chief operating officers. Their proposal would reduce employee turnover, which would improve operations in the stores and warehouses.

They could invest in more training to get workers to stick around with promotions. Stores would be more organized. Sales would increase, and Walmart would be better positioned for e-commerce, the argument went. The board approved and said they needed to move faster than proposed to boost pay.

...

That fall [Moi ici: Em 2015], at an investor meeting at the New York Stock Exchange, then-Chief Financial Officer Charles Holley clicked through his slide presentation for analysts and quantified the change. It would be a $2.7 billion cost over two years, plus more later to lower prices, improve stores and grow online. Earnings per share would drop by 6% to 12% the following year due to the investments. As the slides lingered on the screen, Walmart shares began to tumble.

...

Walmart shares have more than doubled over the past five years. Its U.S. sales have grown each year since 2015 and global sales hit $681 billion last year, helping it maintain its spot as the country's largest retailer by revenue."

A estratégia, inicialmente vista como arriscada por investidores, transformou-se num movimento que aumentou a retenção de trabalhadores, melhorou a experiência do cliente e fortaleceu a posição competitiva da empresa, inclusive face à Amazon. Além de salários, a Walmart expandiu benefícios como licenças, formação e educação. A empresa também investiu em redes de academias regionais para preparar colaboradores para promoções, reduzindo turnover e reforçando a cultura interna. Hoje, a Walmart colhe resultados positivos em vendas e valorização das acções, sendo vista como um exemplo de como alinhar investimento nos trabalhadores com sucesso empresarial. 

O livro "The Service Profit Chain" defende que existe uma cadeia de causa-efeito que liga:

  1. Investimento em colaboradores (salários justos, formação, ambiente de trabalho, benefícios) →
  2. Maior satisfação e lealdade dos colaboradores →
  3. Melhor serviço entregue ao cliente →
  4. Maior satisfação e lealdade dos clientes →
  5. Maior crescimento e rentabilidade da empresa.
Vejamos agora o que fez a Walmart. 

Investimento em colaboradores:

  • O artigo mostra que a Walmart aumentou salários e expandiu benefícios (licenças, formação, educação gratuita).
  • "Walmart has increased its hourly staff-retention rate by 10% since 2015, the company said." 
  • Isto corresponde ao primeiro elo da cadeia: criar valor para os colaboradores. 
Retenção e motivação • 
  • "They could invest in more training to get workers to stick around with promotions."
  • Com maior estabilidade, os trabalhadores ficaram mais leais, menos turnover.
  • Isto reforça o elo da satisfação e lealdade do colaborador. 
Melhor serviço e experiência para o cliente
  • "Stores would be more organized. Sales would increase, and Walmart would be better positioned for e-commerce growth."
  • O impacte directo é visível: trabalhadores mais motivados → lojas mais organizadas → melhor experiência de compra. 
Clientes mais satisfeitos e resultados financeiros
  • "The company's stock is up more than four times from when it raised wages in 2015..."
  • Aqui vemos o fim da cadeia: maior lealdade e satisfação dos clientes traduzem-se em crescimento e valorização do negócio.