quarta-feira, dezembro 26, 2018

O choque em curso

Em "Acerca das exportações YTD - mês 10 (2018)" publiquei este quadro:

Nele podemos ver que o código 64, onde se inclui o calçado, teve uma queda homóloga de 3%. Contudo, o código 64 também inclui a marroquinaria que tem tido um ano excepcional com a instalação e arranque de várias fábricas.

Em "Emprego cresce mais no norte" podemos encontrar números mais precisos que ilustram melhor o choque que o calçado português está a sofrer:
""Este abrandamento foi motivado sobretudo pela evolução das exportações de produtos tradicionais como o vestuário de malha, o mobiliário e o calçado, bem como de máquinas, aparelhos e materiais elétricos", refere esta análise, apontando por exemplo , o facto do vestuário de malha ter passado de um crescimento homólogo de 7,2% no segundo trimestre para para uma queda de 2,9% no terceiro.
.
No mesmo sentido, as exportações da indústria do calçado passaram de um desempenho positivo de 2,4% a meio do ano para uma quebra de 5,6% no terceiro trimestre."
Entretanto, o mainstream anda iludido com o efeito do banhista gordo na banheira que transborda (Autoeuropa/Peugeot).

2 comentários:

Bruno Fonseca disse...

Boa tarde meu caro,

antes de mais, votos de um ano extraordinário a todos os níveis!
no que diz respeito à sua publicação, alguns pontos:

- quando refere "calçado" e remete para a marroquinaria, não creio que inclua os exemplos mencionados. as empresas de marroquinaria que estão incluidas no calçado são as produtoras de couro, como a Louis Vuitton que fez uma fábrica em Ponte de Lima. As empresas que refere são, na sua essência, metalomecânicas, e que até têm um cluster interessante na zona de Fundão;

- muito pertinente a questão do "banhista gordo". e acho que a maior parte dos governantes não tem sequer noção ou simplesmente não quer saber, até porque o aumento de 1% no mobiliário, por exemplo, tem por norma muito mais efeito no emprego que o mesmo aumento na indústria automóvel.

- analisando alguns dos segmentos, em particular têxtil e alguma metalomecânica, não duvido que a principal razão para esta travagem prenda-se com a Turquia. hoje, para muitas das exportações portuguesas, o principal rival não é Espanha ou França ou China, mas sim Turquia. um país próximo do mercado natural de Portugal, com muitos colaboradores, e com uma forte componente industrial. os problemas políticos na Turquia, que há cerca de 2 anos tiveram um impacto positivo nas exportações portuguesas (tenho clientes que sentiram um grande push nas compras por parte de compradores internacionais que queriam migrar da Turquia), hoje estão a ser atraídas por causa da depreciação da lira. aliás, no caso da Inditex, houve uma clara alteração do padrão de compras de Portugal para Turquia em alguns produtos, e ajuda a explicar o arrefecimento das exportações

- continua a tendência de aumento de investimento, continuamos a ver novas fábricas a surgirem, contudo a um ritmo menor que no passado, o que é normal (há falta mão de obra em todo o lado, existe maior apreensão quanto a conjuntura internacional), contudo há algumas zonas e segmentos em crescimento, por exemplo no Alto Minho

um abraço!

Bruno Fonseca disse...

já agora, tentando dar atenção a alguns dos segmentos:

i) o vestuário continua numa dinâmica positiva, resistindo à quebra da Inditex, à desvalorização da lira turca e à conjuntura internacional. incrível. seria bom ter uma melhor ideia das dinâmicas de cada uma das sub-áreas mas tenho ideia que o têxtil lar será seguramente um daqueles com melhor evolução. já agora, um dos principais grupos do sector resultou da junção de 3 empresas moribundas e financeiramente falidas, naquele que será, talvez, o melhor exemplo de turnaround de empresas industriais em Portugal

ii) posso estar enganado, mas conheço duas empresas na área do mobiliário, fortemente assediadas por clientes internacionais, mas cujo maior constrangimento ao crescimento, hoje, é a falta de mão de obra. é um segmento com bastante potencial, parece-me, e quando se consegue conjugar serviço com produto, o potencial é incrível, porque é muito dificil encontrar quem o consiga fazer com o selo "made in Europe", e com curtos prazos de resposta

iii) uma nota para as áreas de cerâmica e cortiça. duas áreas de negócio que estão alavancadas em matérias-primas nacionais, com grande impacto na economia, e que têm uma performance ao longo dos últimos anos verdadeiramente bem sucedida. analisando os valores históricos, nos últimos 3 ou 4 anos devem estar a bater sucessivamente records de exportações, numa lógica de menos empresas, mas mais capazes, mais tecnologicamente apetrechadas, com mais serviço / design.

iv) última nota para "frutas", a área onde acredito que Portugal mais pode crescer. a nível económico, parece-me que este governo fez pouco, aliás, nem sei como se chama o actual ministro da economia. contudo, parece-me que saiu dos gabinetes um projecto de construir uma rede de barragens de pequena / média dimensão, com o propósito de implementar em zonas com potencial agrícola e caudal suficiente. esta medida, que passa despercebida a uma vasta maioria da população, pode ter um efeito multiplicador brutal. dou o exemplo de Moimenta da Beira, onde com um sistema de regadio, o crescimento da produção de maçã pode ser exponencial, talvez viabilizando o aparecimento de alguma indústria transformadora. esperemos que se concretize.
já agora, este tipo de investimento passa ao lado da maioria dos jornalistas, mas terá um efeito em vilas e aldeias de todo o país,criando riqueza e empregos, mas de uma forma bastante disseminada. exactamente o ideal, mas por isso mesmo, pouco valorizado mediaticamente.

abraço!