sexta-feira, junho 02, 2017

Adeus Okun (parte IV)

A empresa mandou-me os dados por linha de fabrico.

Usei umas cartas de controlo estatístico para avaliar o desempenho de cada linha. Uma das linhas tinha um comportamento estranho: a produção diária da primeira metade do ano (YTD) estava sistematicamente abaixo da média anual e, a produção diária da segunda metade do ano estava sistematicamente cima da média anual. Começámos logo a levantar teorias, algumas rebuscadas, que pudessem explicar este comportamento anormal.

Quando chegámos à empresa pedi para visitar a linha de fabrico e perguntei ao encarregado do turno como é que ele explicava a evolução. A resposta foi:
- Começámos a fazer mais uma hora extra por turno desde ...

Porque recordo este episódio desta semana?

Tenho escrito a série "Adeus Okun" onde, tal como o encarregado da referida linha de fabrico, usando a minha experiência de contacto com a realidade, explico de forma comezinha como pode o emprego crescer mais do que a Lei de Okun prevê dado o crescimento do PIB.

Hoje, em "Produtividade piora apesar da forte retoma do investimento" sinto que alguém escreve sobre dados que recolheu e se esqueceu, ou não tem possibilidade de descer da torre de marfim até à realidade em busca de explicações. Leio:
"Banco de Portugal diz que paragem no investimento dos últimos anos prejudica a produtividade atual.[MOi ici: Afirmação com que não concordo logo à partida]
...
A produtividade aparente do trabalho piorou no primeiro trimestre deste ano, apesar da forte retoma do investimento e da reposição dos níveis salariais
...
O Banco de Portugal suspeita que o problema não esteja tanto nos salários, mas mais na falta de investimento (capital).
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O indicador de produtividade média aparente laboral, que no fundo pode ser o produto interno bruto (PIB) gerado por cada trabalhador num terminado período (a preços correntes ou constantes) ou o valor acrescentado bruto da economia ou de um setor de atividade dividido pelo número de empregados (como faz o Banco de Portugal), está estagnado (calculado a preços correntes, com inflação) ou a cair, se calculado a preços constantes, tirando a inflação.
...
"Os reduzidos níveis de capital concorrem para o fraco desempenho da produtividade do trabalho na economia portuguesa", concluem os economistas do BdP, num estudo divulgado em maio. E dizem mais: "As explicações são complexas, podendo relacionar-se com as alterações da estrutura produtiva, num contexto em que os níveis de capital por trabalhador permanecem reduzidos, após vários anos com baixos níveis de investimento.""
O meu contacto diário com a realidade das PME dá-me duas pistas:

  • crescimento baseado em actividades não ou dificilmente escaláveis, tema que a série de "Adeus Okun" desenvolve. Por exemplo, a renovação habitacional é mais uma actividade pouco escalável, pequenas empresas a trabalhar para proprietários com um imóvel;
  • ao contrário do que dizem os keynesianos as PME estabelecidas que conheço não contratam hoje porque esperam vir a ter mais trabalho no futuro. Esticam os recursos, preferem colocar toda a organização em stress para servir a crescente procura e só quando ganham confiança no futuro é que voltam a contratar, para distender a organização e reduzir o stress (nesta fase o emprego cresce mais do que a facturação porque se está a compensar o que já se devia ter compensado no passado)


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