segunda-feira, março 04, 2013

"Por que é que calçado e têxtil têm tido desempenhos tão diferentes?"

A revista Exame traz um artigo sobre as diferenças e semelhanças entre os sectores do calçado e do têxtil português "Tão iguais, tão diferentes".
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No passado dia 20 de Fevereiro, na viagem para este evento em Felgueiras, tive oportunidade de conversar com alguém que conhece o sector do calçado há muitos anos, chegou a referir-me conversas da associação do sector, a APICCAPS, com o então ministro da Indústria Mira Amaral.
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Uma das perguntas que lhe fiz foi "Por que é que calçado e têxtil têm tido desempenhos tão diferentes?"
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Precisamente a pergunta a que o artigo da Exame pretende dar resposta.
"Mas porque é que a imagem dos têxteis está a demorar mais tempo a descolar dos anos de declínio, marcados pelo impacte da concorrência asiática e da deslocalização de empresas e encomendas?"
O designer Miguel Vieira confirma essa diferença:
""os dois sectores estão em estádios diferentes de desenvolvimento". "O calçado deu o salto, percebeu a importância da tecnologia, da marca, da embalagem, da imagem, enquanto que o têxtil adormeceu, ficou mais estagnado no private label""
Como referi neste postal, esta figura conta a primeira parte do que aconteceu ao sector, às empresas do calçado:
Menos empresas, empresas mais pequenas, menos produção em pares e menos pares por trabalhador.
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O artigo dá um exemplo concreto:
"Há 12 anos éramos 500 pessoas e tínhamos cinco clientes activos. Hoje somos 160 e temos mil clientes activos"
Os números retratam uma mudança formidável!!! Passámos da quantidade, de grandes séries e poucos modelos, para uma produção mais diversificada e flexibilizada. É como passar de um extremo para o outro do espectro competitivo:
 BTW, recordar o postal de onde tirei a imagem... escrito em Janeiro de 2007.
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Os cinco clientes de há 12 anos não desapareceram, foram para a China.
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Nesse mesmo evento de 20 de Fevereiro, uma das pessoas presentes, exterior ao sector do calçado, verbalizou para a plateia o seu espanto com o que via, algo que a minha companhia de viagem tinha referido menos de uma hora antes. Essa pessoa, tinha estado em várias dezenas de sessões do mesmo tipo noutros sectores industriais e o do calçado tinha algo que o diferenciava... a quantidade de gente nova à frente de novas empresas, ou de empresas de 2ª e 3ª geração. O que diz o artigo da Exame?
"Poder de atracção de novos talentos Até no poder de atracção de jovens designers o calçado tem marcado a diferença, visível em números como a criação de mais de 300 marcas desde 2005 ou em histórias como a de João Pedro Filipe, que lançou a primeira colecção da marca Sr. Prudêncio na London Fashion Week, em Londres, depois de vencer o prémio Young Creative Fashion Entrepeneur da Plataforma de Moda - Fashion Hub Guimarães 2012 e do British Council. "Sempre estudei vestuário, mas em Paris decidi apostar no calçado. pela consciência de que parecia mais aliciante para o futuro". diz o jovem designer." 
Em Fevereiro de 2011 escrevi "Não é impunemente que se diz mal" e julgo que não é preciso dizer mais nada.
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Ao longo dos anos sempre chamei a atenção para a diferença de discurso entre a APICCAPS e a ATP. Nunca encontrei um texto da associação do calçado a apelar ao proteccionismo, a defender barreiras alfandegárias, a invectivar os chineses. Pelo contrário, ao longo dos anos tenho chamado a atenção para a inelasticidade do tempo e para o excesso desse recurso que é gasto pela ATP a combater os chineses, a combater os pobres paquistaneses, a pedir proteccionismo e a defender o levantamento de barreiras alfandegárias.
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O artigo também refere o trabalho de 30 anos da APICCAPS com sucessivos planos estratégicos para o sector. Recordar o que escrevi sobre o tema em 2009.

É sempre engraçado encontrar entrevistas a Daniel Bessa sobre o calçado... e acho que já é maldade da minha parte relembrar este postal: "Para reflectir"
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E agora, coisas que os membros da tríade (políticos, académicos e paineleiros) precisam de aprender sobre os patrões do calçado:
"Há números que ajudam a compreender o percurso da indústria portuguesa de calçado, a investir, em média, 16% do seu valor acrescentado bruto por ano, quase o dobro dos concorrentes Italianos.
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Sob o lema "A indústria mais sexy da Europa", os sapatos made in Portugal acompanharam a recuperação das exportações com a qualificação dos seus recursos humanos: a percentagem de trabalhadores qualificados subiu de 28% para 48% e o valor acrescentado bruto por trabalhador cresceu 34% em 10 anos." (Moi ici: Recordar o segundo conjunto de gráficos deste postal)
Para terminar, uma parte do artigo que está menos conseguida... é quase caricata:
"Se há uma guerra entre os sectores, o calçado terá tido o tempo a favor. Ao contrário dos têxteis, obrigados a enfrentar a liberalização do mercado apenas em 2005, os sapatos começaram a competir com os grandes asiáticos mais cedo, uma vez que não beneficiaram de um período de transição, com quotas de exportação para a Europa."
A pessoa que me acompanhou na viagem, respondeu-me aquela pergunta lá de cima, "Por que é que calçado e têxtil têm tido desempenhos tão diferentes?", com esta diferença. O calçado teve de conquistar o futuro porque não tinha experiência, histórico, tradição de estar protegido por barreiras alfandegárias. O têxtil tem gasto demasiado tempo e outros recursos a defender o passado, a pedir proteccionismo... não lhe sobra tempo para abraçar o futuro
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Esta argumentação da revista, põe em causa todos os programas sectoriais de transição... muito poucas empresas mudam por causa de relatórios ou de avisos, a esmagadora maioria só muda pressionada pelas circunstâncias. Por isso, é que a desvalorização da moeda cria uma adição perversa que impede a subida de uma economia na escala de valor. 
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Por fim, algo verdadeiramente preocupante, o equivalente a ter um Ferrari e não ter mãos para o controlar:
"Na contagem de armas, não há um só representante do calçado no top das 10 maiores empresas de moda, mas os responsáveis da fileira têxtil vêem o peso da sua dimensão como uma fraqueza potencial"
Ainda continuam a sonhar com o modelo mental de há vinte anos... dimensão, quantidade, ... não conseguem perceber e passar à acção, e implementar, e operacionalizar os estudos sobre o sector que o próprio sector financia, ver "A teoria não joga com a prática".
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BTW, é sempre reconfortante ver o futuro muito tempo antes da multidão.
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BTW, sempre que ouvirem André Macedo falar sobre um qualquer assunto com um ar de superioridade intelectual e moral... não esqueçam isto "Cuidado com as generalizações, não há sunset industries"

9 comentários:

CCz disse...

http://www.publico.pt/economia/noticia/portugal-leva-114-marcas-a-mais-importante-feita-do-calcado-do-mundo-1586431

CCz disse...

http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3085969&utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter

CCz disse...

http://economico.sapo.pt/noticias/empresas-de-calcado-antecipam-subida-das-vendas-em-2013_164034.html

CCz disse...

http://www.portugalglobal.pt/PT/PortugalNews/RevistaImprensaNacional/Macroeconomia/Documents/Sucesso%20Fly%20London_DE050313.pdf

CCz disse...

Empresas do calçado investiram mais de 36 milhões em novos produtos e promoção

http://www.ctcp.pt/docs/docmediagaleria/396llr.pdf

CCz disse...

http://www.jornaldenegocios.pt/economia/Detalhe/portugal_e_italia_dao_um_pontape_na_crise_na_maior_feira_mundial.html

CCz disse...

http://balancedscorecard.blogspot.pt/2013/01/se-oferta-existe-e-nao-ha-procura-so-ha.html

CCz disse...

http://www.portugalglobal.pt/PT/PortugalNews/RevistaImprensaNacional/Comercio/Documents/Sapatos%20marca%20port%20copiados%20l%C3%A1%20fora_Publico100313.pdf

"Sapatos de marcas portuguesas já são copiados lá fora>"

CCz disse...

"Ter os pés seguros"

http://www.portugalglobal.pt/PT/PortugalNews/RevistaImprensaNacional/Empresas/Documents/Ter%20os%20p%C3%A9s%20seguros_Expresso090313.pdf