segunda-feira, abril 05, 2010

Cozinheiros de César

Através deste blogue cheguei a este poema de Brecht que não via desde as minhas primeiras aulas de Filosofia em 1978:
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Perguntas de um Operário Letrado

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas
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As perguntas geram imagens que nos ajudam a interiorizar a mensagem do autor. Ao longo dos anos, e sobretudo na última década recordo muitas vezes este poema.
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"César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
" É claro que tinha vários cozinheiros ao seu serviço! É claro que não o fez sozinho, que tinha as suas legiões consigo. É claro que César sem as legiões e sem os cozinheiros não teria ficado na História.
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Mas se levarmos este raciocínio ao outro extremo, e é por isso que me recordo deste poema tantas vezes, então, o cozinheiro é mais importante que César, os pedreiros são mais importantes que o imperador da China ou os reis de Tebas.
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Assim, chegamos aos dias de hoje, os dias em que os cozinheiros de César se julgam mais importantes que o próprio César (e César sem os cozinheiros nunca teria vencido Catão na Tunísia)...
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Por isso, quando vejo chefes de governo com medo de tomar decisões, com receio de falar a verdade, enclausurados e prisioneiros mentais de paradigmas ultrapassados, reconheço neles os cozinheiros com mentalidade de funcionários que, por osmose, chegaram ao topo da pirâmide.
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Podem ocupar o lugar de César mas nunca terão o rasgo de César! Nunca motivarão as massas para fazerem o sacrifício de atravessar o deserto e esperar 40 anos até chegar à Terra Prometida! Nunca enquadrarão as massas, apenas as tentarão embalar e satisfazer!

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