sábado, abril 12, 2008

A drenagem

Há uns meses o blogue Norteamos publicou um postal onde explicava o que era a drenagem, acompanhando o texto com um "boneco":
Como gosto de "bonecos" e como reconheci logo, numa análise superficial, dois ciclos que compôem o arquétipo do "Success to the Successful" (num ciclo tem-se um retorno interessante à custa da sifonação de recursos do outro) resolvi logo na altura fazer também o meu boneco:

O "boneco" permite identificar vários ciclos que se reforçam uns aos outros:
A drenagem é algo que se sente fora de Lisboa. Sentir-se, sente-se, é um facto!
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Agora será um facto real deliberadamente planeado, ou o resultado não planeado da actuação de vários factores?
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Se assumirmos que os seres vivos (pessoas e instituições) respondem racionalmente a incentivos, mesmo que de forma pouco consciente, o modelo da drenagem faz sentido como uma reacção autocatalítica que pode ter-se iniciado de forma não planeada e que agora sentimos cada vez mais forte devido ao efeito dessa mesma auto-catálise.
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Na altura decidi não fazer este postal porque pensei que esta estória da drenagem pode ser encaminhada para aquelas discussões bairristas estúpidas tipo "guerras Porto-Lisboa", "Porto-Braga" ou "Bragança-Miranda"
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Então, por que mudei de ideias?
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Por causa deste artigo do Jornal de Negócios que só descobri ontem à noite no Norteamos:
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"O Alentejo, a região mais pobre do país, vai sofrer uma quebra de 50% nos fundos que vai receber por via dos novos apoios da UE. Uma "engenharia" geográfica, que passou por incluir a Lezíria do Tejo, anteriormente na Região de Lisboa e Vale do Tejo, explica esta redução. Também a zona Centro é vítima deste rearranjo regional. É o resultado de querer contornar regras que poderia significar menos fundos. Acaba por ser uma das regiões mais pobres a perder." Helena Garrido, Jornal de Negócios (08.04.2008)"
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E sobretudo por causa desta lecture que ouvi ontem à noite da boca de um dos nomes mundiais na área dos cenários e da futurização Paul Saffo:
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Por mim, vale a pena ouvir a lecture do princípioo ao fim, e depois, quando chega a fase das perguntas e respostas, que por cá são uma valente seca: TANTAN!!!
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Ainda é melhor que a "lecture itself" - os interessados podem, aos 72 minutos assistir à resposta à pergunta 9. Paul Saffo acredita que os Estados Unidos podem-se quebrar, e que a unidade que está a aparecer a nível mundial são as cidades-estado, Shanghai, San Francisco,...
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Mas atenção, aos 82 minutos, na resposta à questão 12... se a drenagem é autocatalítica, e se os sistemas são entidades biológicas... preparem-se para a o ponto de singularidade. Vai quebrar, é a regra... quebra sempre...
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Quando falamos de modelos, de dinâmica de sistemas, e volto ao meu velho livrinho de Peter Senge (1990) "The Fifth Discipline":
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"Description: Two activities compete for limited support or resources. The more successful one becomes, the more support it gains, thereby straving the other.
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Early Warning Symptom: One of the two interrelated activities, groups, or individuals is beginning to do very well and the other is struggling.
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Management Principle: Look for the overarching goal for balanced achievement of both choices (algo que a cidade-estado não consegue fazer no seu egocentrismo umbiguista. Não coloquem conotação pejorativa a este "egocentrismo umbiguista" as pessoas estão condenadas pelo sistema a trabalhar para o sistema). In some cases, break or weaken the coupling between the two, so that they do not compete for the same limited resource (o contrário do que relata Helena Garrido no Jornal de Negócios!!!!)"
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Solução: se calhar regionalizar o país e olhar bem para a forma como se colectam e distribuem impostos e se distribuem fundos comunitários.
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ADENDA das 17h01: Se calhar é mesmo deliberado, acabo de ler este artigo no Wall Street Journal "The Rise of the Mega-Region" assinado por Richard Florida.
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"Second, it's time to stop transferring wealth from our most productive mega-regions to lagging places. In the U.S., the past 50 years have seen a massive transfer of tax money from innovative and prosperous mega-regions on the East and West coasts to the South. While this transfer may be a boon to local politicians and developers, such misguided policy has diverted economic resources away from the core mega-regions where they can be used most productively.
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Third, our public policy must work toward, not against, density. Nearly every expert on the subject agrees that innovation and productivity are driven by density. For the better part of a century, we've subsidized suburbanization. That stimulated consumption of cars and appliances, which drove the industrial economy and allowed families to buy affordable homes. But it also diffused the density that is increasingly required for innovation and growth. Of course, every place does not have to be like Tokyo or Manhattan. Silicon Valley-style density would probably be sufficient. We can still have suburbs, but our economic policy has to start to encourage density, not sprawl."
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3 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem caro Carlos !

É necessário quebrar a centralização da actividade económica em Lisboa. A denda vem mesmo a calhar. Não se deve subsidiar movimentações não espontaneas. Se não houvesse Estado, Portugal continuaria a ter 2 polos: Porto e Lisboa. Com os subsídios, impostos, renginharia verbas UE, todos temos andado a criar artificialmente uma mega-região em vez de deixarmos o mercado a funcionar por si. Vou reflectir e postar brevemente sobre o assunto.
Abraços.
José Silva

PMS disse...

Infelizmente o filme não está disponível...

Quanto à tendência de concentrar o investimento nas grandes regiões, posso afirmar que foi para mim evidente a ideia vigente de que o investimento público seria mais rentável precisamente nos locais onde existia mais escala.

Ora, existiam ali alguns mitos / pressupostos errados (como alguns, embora uma minoria, vieram a concordar comigo, após algumas explicações).

- Uma crença desmesurada nas economias de escala, ignorando totalmente o efeito das deseconomias de escala (que é a outra moeda do centralismo: quanto mais Lisboa concentra, pior é a sua qualidade de vida).

- Uma confusão entre o papel do Estado e dos Privados. O Estado deve procurar os investimentos com a maior produção de valor para a sociedade e que os privados não tenham incentivos a executar - conceito de externalidades. Assim, o Estado utiliza os seus recursos em actividades que os privados fariam, abdicando daquelas que os privados não querem (ou pelo menos não querem para o mesmo público alvo), mas são fundamentais para a sociedade.

- Uma falta de noção de conceitos como gestão de risco, em que a diversificação de actividades e geografias nos protege a todos, numa logica de subsidariedade.

- Uma falta de noção dos conceitos mais básicos de liberdade e de legitimidade. Qual a legitimidade do Estado de retirar às regiões mais pobres para investir nas mais ricas? Veja-se o caso do encerramento de hospitais no interior, ao mesmo tempo em que os transportes públicos locais só são apoiados nas duas metrópoles.

CCz disse...

O filme está disponível aqui:

http://www.wholeearthfilms.com/saffo_paul.html#

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